Por: Márcio Martins da Silva Costa
Felisberto era encarregado do Departamento Doutrinário da
Casa Espírita em que frequentava. Assumiu esta tarefa pela indicação unânime de
todos os demais colegas, os quais o consideravam um exemplo de conhecimento da
Doutrina. Sempre que havia alguma dúvida nos estudos, Felisberto era
solicitado. Quando o Centro se preparava para algum seminário ou outro evento,
era também Felisberto que indicava os livros de referência.
Anos se passaram, e o que era a satisfação e
exemplo de trabalho foi transformando-se aos poucos em um orgulho velado por
parte de Felisberto. O que antes era simplicidade passava a dar lugar a
expressões imponentes, tais como: -“…e você não sabe isso? Não leu ainda?”,
franzindo o rosto de maneira amarga.
Entre o vai-e-vem dos participantes dos grupos,
novas pessoas foram chegando a Casa Espírita, conhecendo Felisberto como sendo
uma das “autoridades” do Centro. Os mais novos nem se atreviam a se contrapor com
questionamentos e perguntas, pois sabiam que poderiam ser rechaçados diante dos
demais irmãos se o distinto coordenador estivesse por perto.
Sem encontrar pessoas dedicadas como ele à
leitura detalhada da Doutrina, passou a assumir uma postura mais fechada. Quase
não sorria mais. No seu entender, aquele seu perfil exemplificava a seriedade
com a qual os estudos deveriam ser conduzidos.
Logo sua postura contagiou alguns confrades que
também passaram a adotar um posicionamento mais sério. As reuniões da Diretoria,
que antes eram realizadas em clima fraterno e feliz, passaram a ser conduzidas
com certo constrangimento dos integrantes. Só havia espaço para a prece de
abertura, as propostas de Felisberto, a apresentação de detalhes
administrativos por outros membros e o encerramento com uma curta prece.
Anos de pequenas mudanças, imperceptíveis pela
maioria, passaram a influenciar a psicosfera da Casa. O que antes representava
acolhimento figurava-se agora como constrangimento. Iniciativas dos mais novos
trabalhadores costumavam ser tolhidas, na justificativa de que eram necessários
anos de estudo para estar à frente de qualquer atividade. A Casa já não lotava
suas fileiras como antes.
Felisberto agora já exibia cabelos grisalhos e
o rosto enrugado, quando uma mensagem fora recebido em uma reunião mediúnica. O
tema da comunicação era o afastamento das pessoas do Centro. De acordo com o
mentor espiritual da Casa, espíritos de regiões entenebrecidas pelo ódio e pela
inveja do bem há anos se incomodavam com os resultados sublimes angariados
pelos trabalhadores. Eles queriam impedir a continuação daquelas atividades
redentoras. Mas precisavam partir de algum ponto.
Sem adentrar em detalhes, a comunicação
destacava que um dos antigos e influentes trabalhadores do Centro fora
escolhido para o início do ataque, em face de suas imperfeições morais
sedimentadas ainda no orgulho e na vaidade. Assim, uma turba de espíritos
passariam a obsidiá-lo com frequência até que houvesse a possibilidade de
obsidiar outros também.
A mensagem se encerrava dizendo que ainda havia
tempo para mudar todo aquele cenário. Mas deveria haver o concurso de todos na
auto-vigilância e na prece contínua à luz dos ensinamentos do Evangelho.
Quando terminou a reunião, alguns dos presentes
criaram em suas telas mentais a imagem de Felisberto. Mas poucos se mostraram
inclinados a levar a mensagem para ele.
* * *
Allan Kardec detalha os processos obsessivos no
Capítulo XXIII de O Livro dos Médiuns. De acordo com a classificação proposta
pelo codificador, os processos podem ser de obsessão simples, fascinação e
subjugação, aumentando a sua gravidade, seguindo esta ordem [1].
O primeiro caso é negado por muitos, mas pode ocorrer
com vários de nossos irmãos pelo natural intercâmbio existente entre o mundo
corporal e o mundo espiritual. Basta criarmos conexões deletérias, geradas por
pensamentos de baixo teor moral, tais como a inveja, a raiva, a ganância, o
orgulho, etc. que estaremos propensos a abrir as portas para os espíritos
inferiores que desejam nos dominar. Como efeitos, podemos perceber no obsidiado
ideias fixas, desconfianças, desentendimentos em excesso, enfermidades, dentre
outros.
No segundo caso, a fascinação, as consequências
são mais graves. O obsidiado é envolvido em uma falsa percepção dos fatos,
sendo iludido pelo espírito fascinador. Ele então passa a ter uma confiança
cega naquilo que faz, acreditando que não está sendo influenciado. A crítica o
perturba. Irrita-se com o próximo que se opõe a ele. Às vezes até crê que os
demais em sua volta é que estão envolvidos em processos obsessivos. Achando-se
dono da verdade, o obsidiado, muitas das vezes, sob a influência do espírito
obsessor, procura afastar as pessoas que potencialmente poderiam lhe “abrir os
olhos”, a fim de evitar a contradição e se manter na razão. Este processo
geralmente é difícil de ser tratado, pois o obsidiado nem sempre aceita que
está nesta situação.
No último caso, o obsidiado fica sob verdadeiro
jugo, ou seja, sob domínio do espírito obsessor. Nesta situação, a vítima pode
tomar decisões absurdas e comprometedoras; pode realizar atos motores
involuntários e até perder a lucidez.
O pequeno conto apresentado, enriquecido com
ingredientes potencialmente reais, apresenta um caso onde a invigilância do
trabalhador abre gradativamente as portas para um processo obsessivo mais
grave. Sem a observância da prece e da sintonia com os bons espíritos
protetores e amigos, o obsidiado permite, sem se dar conta, de que suas
imperfeições passam a criar conexões mentais com a espiritualidade inferior, a
qual se aproveita da oportunidade atingir os demais trabalhadores da Casa.
De acordo com Allan Kardec, os meios de se
combater os processos obsessivos variam de acordo com a situação estabelecida.
Começar pela contínua vigilância e prece, procurando se desvencilhar de nossas
más tendências e inclinações, já será um indicativo para o obsessor de que suas
investidas são uma perda de tempo. Sendo paciente e persistente neste processo
de melhoramento das condições morais fará o obsessor perceber de que não
adianta dar continuidade ao processo.
Dependendo da insistência do obsessor, o
processo ainda pode levar um tempo demasiado. Assim, devemos também buscar o
acolhimento de nossos Espíritos protetores e o auxílio dos Espíritos simpáticos
e amigos que nos assistem. Nunca estamos sozinhos e em cada encarnação sempre
temos uma falange que torce pelo nosso êxito nesta vida. Juntemo-nos a eles.
Podemos, ainda, também receber preces de outros
que, com certeza, nos ajudarão enviando mais amigos espirituais para nos
apoiar. Mas nenhuma das preces será maior do que aquela oriunda do fundo de
nossa alma, buscando o melhoramento de nossos atos e ações (não só físicos,
como mentais), como também, em prol daqueles irmãos infelizes que estão ali
tentando nos incomodar. Rezemos por nós, mas também rezemos pelos nossos
obsessores. O desejo do bem a eles também os fará perceber o quanto perdem
tempo em nos tentar iludir.
Durante o dia, busquemos manter a sintonia com
pensamentos felizes, de amor, paz e caridade pelo próximo, seja ele encarnado
ou não. Busquemos também identificar as nossas imperfeições, tentando mudá-las
no momento em que elas ocorrerem, ou até mesmo evitá-las. À hora de dormir,
façamos uma reflexão sobre o que poderíamos melhorar em nós mesmos. O que
fizemos naquele dia que poderia ter sido mais produtivo para nós e para quem
nos cerca.
Os nossos esforços no bem nos ajudarão a
ascender nossas condições morais. Sob condições morais mais elevadas não
seremos alvo de espíritos inferiores. Lembremo-nos de Jesus, nossa guia e
modelo, cuja superioridade moral inquestionável afastava quaisquer
possibilidades de obsessão.
Referência:
[1] A. Kardec, O Livro dos Médiuns. 1861.
[1] A. Kardec, O Livro dos Médiuns. 1861.
3 comentários:
Bom.
Esclarecedor
Sempre somos alertados a necessidade de aplicarmos o "Orai e Vigiai"
Ótima reflexão.
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