“Se o espírito humano não está sintonizado com o
espírito de Deus, ele não tem fé, embora talvez creia. Esse homem pode, em
teoria, aceitar que Deus existe e, apesar disso, não ter fé"
O notável professor, filósofo e
humanista brasileiro, Huberto Rohden, em um de seus oportunos comentários
inseridos no livro “A Mensagem Viva do Cristo”, obra que compreende a tradução feita
por ele mesmo dos quatro evangelhos, diretamente do grego do primeiro século,
convida-nos a refletir sobre a significativa distinção entre crer e ter fé.
Para ele, a não compreensão dessa questão tem deturpado a teologia e trazido
enorme prejuízo à mensagem do Cristo ao longo desses 2000 anos.
Escreve ele: “Desde os primeiros
séculos do Cristianismo, quando o texto grego do Evangelho foi traduzido para o
latim, principiou a funesta identificação de crer com ter fé. A palavra grega
para fé é pistis, cujo verbo é pisteuein. Infelizmente, o substantivo latino
fides, o correspondente a pistis, não tem verbo e assim, os tradutores latinos
se viram obrigados a recorrer a um verbo de outro radical para exprimir o grego
pisteuein, ter fé. O verbo latino que substituiu o grego pisteuein é credere,
que em português deu crer. Nenhuma das cinco línguas neo latinas — português,
espanhol, italiano, francês, rumeno — possui verbo derivado do substantivo
fides; fé; todas essas línguas são obrigadas a recorrer a um verbo derivado de
credere. Ora, a palavra pistis ou fides significa originariamente harmonia,
sintonia, consonância. Ter fé é estabelecer ou ter sintonia, harmonia entre o
espírito humano e o espírito divino.”
Se o espírito humano não está
sintonizado com o espírito de Deus, ele não tem fé, embora talvez creia.
Para o ilustre filósofo, aí está um
dos maiores problemas que em muito vem prejudicando a teologia e, para explicar
a diferença de significado entre uma coisa e outra, estabelece ele o seguinte
paralelo ilustrativo: “Um receptor de rádio só recebe a onde eletrônica emitida
pela estação emissora, quando o receptor está sintonizado ou afinado
perfeitamente com a frequência da emissora. Se a emissora, por exemplo, emite
uma onda de frequência 100, o meu receptor só reage a essa onda e recebe-a
quando está sintonizado com a frequência 100. Só neste caso, o meu receptor tem
fé, fidelidade, harmonia; fideliza com a emissora”.
Dentro desse contexto, “se o espírito
humano não está sintonizado com o espírito de Deus, ele não tem fé, embora
talvez creia. Esse homem pode, em teoria, aceitar que Deus existe e, apesar
disso, não ter fé. Ter fé é estar em sintonia com Deus, tanto pela consciência
como também pela vivência, ao passo que um homem sem sintonia com Deus pela
consciência e pela vivência, pela mística e pela ética, pode crer vagamente em Deus. Crer é um ato de
boa vontade; ter fé é uma atitude de consciência e de vivência”, argumenta o
professor Rohden.
Salvação não é outra coisa senão a
harmonia da consciência e da vivência com Deus
Para ele, a conhecida frase “quem
crer será salvo, quem não crer será condenado”, é absurda e blasfema no sentido
em que ela é geralmente usada pelos teólogos. No entanto, “se lhe dermos o
sentido verdadeiro ‘quem tiver fé será salvo’ ela está certa, porque salvação
não é outra coisa senão a harmonia da consciência e da vivência com Deus”.
Em sua opinião, de sincero buscador,
erudito e filósofo espiritualista “a substituição de ter fé por crer há quase
2000 anos, está desgraçando a teologia, deturpando profundamente a mensagem do
Cristo”.
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