Por: Rocelito
Paulo
Segundo o Jornalista Marcel Souto Maior, consta “que uma senhora chegou perto do Chico
Xavier feliz da vida porque tinha feito uma descoberta.
- Fui
mártir. Morri na arena devorada por um
leão. E você, Chico?
- Ah, eu
fui a pulga do leão.”
Situações semelhantes à narrada pelo Jornalista se
repetem pelo movimento espírita, e concorrem para afastar o Espiritismo da
essência de Kardec, porque descobertas dessa natureza revelam muito mais uma
curiosidade individual e egoísta, do que propriamente a captação de aprendizado
espírita. A consequência negativa é o fato de aceitarmos a manifestação de mártires,
pulgas e leões.
Sabemos que o tema da reencarnação não é uma
criação Espírita. Outros sistemas mais
antigos que o Espiritismo já defendiam a possibilidade das múltiplas
existências corporais, todavia, somente Kardec conseguiu proporcionar ao
referido tema, um objetivo coerente com a Criação e a Justina Divinas.
Descobrir tão somente os mártires que fomos em
passagens anteriores, não representa um dado significativo à atual existência
encarnatória, até porque a maioria das descobertas, na forma como tem sido
reveladas, se reporta à vultos importantes da história ou a signatários de
status social importante e invejável para os dias de hoje.
Na maioria das vezes, o príncipe ou o rei da reencarnação
anterior não se representa no plebeu de hoje, a não ser no orgulho, e o mártir
de outras eras não repete a abnegação santificante e a devoção sacrificial à
promessa de Jesus, a não ser na hora da dor intensa. Se depender dessas
revelações na verdade todos nós teremos sido leões, nenhum de nós foi pulga,
muito menos mártir.
A proposta da reencarnação na Doutrina Espírita não
se resume em satisfazer puramente a curiosidade do que fomos, que profissão
tivemos, que cargo desempenhamos, a quem assassinamos, a quem amamos, a quem
ofendemos, a quem odiamos, a quem empobrecemos, com quem casamos, onde vivemos,
que cor da pele tivemos, a que raça pertencemos.
O reencarnar espírita tem duplo objetivo: primeiro
o de permitir ao ser reencarnante que ele alimente a sua própria evolução em
duas dimensões, ora na intelectual, ora na moral; e o segundo objetivo é o de permitir
ao referido ser que ele participe da Criação Divina no momento em que é lhe dada
a responsabilidade de promover a evolução do próximo: é assim que o pai se
torna responsável pela evolução do filho, o professor pela do aluno, o político
pela da comunidade, o padre pela da igreja... É assim que se justifica a
coexistência de mártires, pulgas e leões.
Nós temos a necessidade intrínseca de aprender, e
por mais incrível que isso possa parecer,
quanto mais aprendemos mais descobrimos que nada sabemos... quanto mais leão, ainda mais pulga e aí surge
a oportunidade dos mártires.
Nós temos a necessidade premente da ética e da
justiça, e no entanto, só entendemos o que é justo ou injusto quando somos nós
os ofendidos: nesta hora, bramimos feitos leões, saltamos feitos pulgas e
passamos a sacrificar os mártires.
É por isso que não sabemos tudo e, de alguma forma,
em algum momento qualquer, vamos precisar da cooperação de quem sabe o que não
sabemos, e do amparo e do auxílio de quem já é o que ainda não somos, para que
possamos alcançar o progresso do qual necessitamos: nessa hora, não há leões,
não há pulgas, não há mártires.
Por outro lado, se olhássemos no espelho da nossa
alma, e procurássemos honestamente identificar os pontos negativos que em nós
persistem, descobriríamos o quanto cruel nós ainda somos, e facilmente
descobriríamos o ser primitivo e animalesco que somos e que fomos nas reencarnações
anteriores e que não deveremos repetir nas futuras encarnações.
Também se buscássemos na nossa alma as atitudes
nobres que já conquistamos, sem o exagero da autopromoção e sem qualquer
caracterização de personalismo, verificaríamos o que bem soubemos aproveitar
nas oportunidades que abençoadamente já nos foram concedidas.
Dentro da evolução espírita, não interessa se o
espírito encarnou engenheiro ou pedreiro, se general ou soldado, se cientista ou
analfabeto. Interessa quantos lares se foi
capaz de ajudar a construir na pedra e no coração. Interessa quantas guerras se foi capaz de
evitar entre países ou entre vizinhos.
Interessa quantas oportunidades de melhorias se foi capaz de
proporcionar para um mundo ou para um homem.
Na história e no estudo do tema da reencarnação,
temos muitos exemplos de espíritos notabilizados no contexto material, os quais
a sociedade atual venera as ideias e conserva o exemplo, todavia, quando entrevistados
no mundo espiritual, se revelam eles próprios decepcionados com a oportunidade
santa que simplesmente desperdiçaram na ilusão da matéria.
Mas há também aqueles outros espíritos que a
sociedade atual julga, critica e condena ao ostracismo no pior dos infernos,
mas que, no entanto, já reencarnaram e retomaram a prova material e
aproveitaram a bênção da segunda oportunidade, e assim conquistaram na esfera
espiritual uma luminosidade que os torna transcendentes aos ambientes que
visitam.
E como Deus é justo e paciente, reencarnaremos
quantas vezes nos for necessário espiritualmente para que possamos conquistar,
de forma plena, o conhecimento e a moralidade úteis à nossa perfeição.
É assim, que pela bondade de Deus, através do
processo de reencarnações sucessivas, um dia nós aprenderemos a nos amar e
respeitar fraternalmente como irmãos e deixaremos de nos comportar como mártires,
pulgas e leões.
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