Por: Carlos Toledo Rizzini
Determinismo é a doutrina que afirma
serem todos os acontecimentos - inclusive vontades e escolhas humanas causados
por acontecimentos anteriores. Segue-se que o ser humano seria destituído de
liberdade de decidir e de influir nos fenômenos em que toma parte. O indivíduo
faz exatamente aquilo que tinha de fazer e não poderia fazer outra coisa; a
determinação de seus ates pertence à força de certas causas, externas e
internas. É a principal base do conhecimento científico da Natureza, porque
afirma a existência de relações fixas e necessárias entre os seres e fenômenos
naturais: o que acontece não poderia deixar de acontecer porque está ligado a
causas anteriores. A chuva e o raio não surgem por acaso; a semente não germina
sem razão, etc.; há sempre acontecimentos prévios que preparam outros: chove
porque houve primeiro evaporação, depois resfriamento e condensação do vapor; e
assim por diante. Os mundos físico e biológico são, pois, regidos pelo
determinismo - no nível macroscópico. Em o nível mental, também vigora o mesmo
princípio, pois, os pensamentos têm uma causa, assim como as nossas ações,
deles decorrentes; pensamentos e aros estão relacionados aos impulsos, traços
de caráter e experiências caracterizam a personalidade.
A doutrina aposta é a do
livre-arbítrio, que declara a vontade humana livre pira tomar decisões e
determinar suas ações. Diante de várias opções oferecidas por uma situação
real, o homem poderia escolher uma racionalmente e agir livremente de acordo
com a escolha feita (ou não agir se o quisesse). Exige, portanto, capacidade de
discernir e liberdade interior. O animal e o selvagem veem as coisas em função
da sua utilidade imediata na satisfação de instintos e impulsos primários; um
pedaço de carne desperta interesse havendo fome para acalmar e só para esse
fim. O civilizado, porém, percebe as coisas sob múltiplos aspectos; a carne
poderia servir para alimentar a criação, ser examinada ao microscópio, fabricar
ácidos aminados para a medicina usar, inspirar um drama ou poema, etc. Tem ele,
consequentemente, de tornar urna decisão sobre a escolha a fazer. Podemos
supô-lo livre para tanto, reconhecendo, contudo, que frequentemente a condição
mental do sujeito impõe restrições ao livre-arbítrio: irreflexão ( impulsividade
), hábitos fixos, inércia, imitação, moda, etc. Todavia, essas limitações não
chegam a cassar a liberdade por completo nem eliminam a responsabilidade dos
atos. Por ter de dormir três horas todas as tardes ou beber, ele sofrerá
diminuição da liberdade de decisão e ação, mas é o dono desses hábitos e, daí,
o responsável pelas consequências do que fizer.
O aspecto essencial da questão
consiste em saber se o sujeito, ao praticar a ação, era livre ou não para
praticá-la se há liberdade de escolha diante de várias possibilidades
oferecidas por uma situação - ou se ele só poderia ter feito precisamente o que
fez. ser livre não significa agir ao acaso, desordenadamente; vimos acima que
as nossas ações têm uma causa, que não elimina nosso poder de determinação.
Para abordar tal questão, faremos, primeiro, observar que ninguém parece se
conduzir como autômato e as atividades usuais desempenhadas pelas pessoas levam
a pressupor a existência de vontade própria. Elas estudam, compram, discutem,
vão à igreja, respeitam a lei ou a desrespeitam, constroem pontes, etc. Alguém
pode tomar uma decisão semanas antes e mantê-la até o fim ou mudar a direção
dela. Depois, perguntaremos: 1) no mundo físico infraatómico e no reino vivo
infracelular vigoram as mesmas relações, absolutamente constantes, da escala
macroscópica? 2) o determinismo psíquico está sujeito à mesma rigidez do
determinismo físico mencionado?
A Ciência responde fornecendo
elementos sugestivos. Na verdade, o determinismo férreo do mundo inanimado
vigora para os grandes corpos considerados em pequeno número; daí o sucesso das
leis de Newton na previsão do movimento dos corpos celestes, da trajetória de
um projétil, etc. É diferente em se tratando de corpos mínimos e em grande
número, tal é o caso das partículas elementares da matéria; entra em jogo a
probabilidade, isto é, leis estatísticas. De fato, as partículas subatômicas,
como os elétrons, não admitem previsão exata como aceitam os planetas e
cometas, e.g. Corpos muitíssimo pequenos têm um comportamento diverso do de
corpos visíveis. Não é possível estabelecer, ao mesmo tempo, a velocidade e a
posição de uma daquelas partículas - e sem conhecer os dois valores não há
previsão de movimento. Logo, existe neste nível indeterminação, como se cada
corpúsculo material pudesse realizar uma escolha entre várias possibilidades.
Também a radioatividade ou desintegração espontânea do rádio (metal) mostra
isso. Uma quantidade qualquer do rádio leva 1.590 anos para reduzir-se à metade
sozinha; é a vida média. Isto é calculável com exatidão, mas quando um átomo se
desintegrará ninguém consegue determinar; tanto ele fragmentar-se-á no próximo
segundo, daqui a uma hora ou dentro de 1.000 anos... Tudo acontece como se ele
tivesse liberdade para decidir acerca do momento de desintegrar-se, sem que
nenhuma força externa possa alterar isso.
Entre os seres vivos, os genes exibem
um comportamento semelhante. Genes são grandes moléculas de ácido nucléico
encarregadas da transmissão das características de um organismo para os que descendam
dele. De suas combinações e alterações surgem as modificações observadas nos
animais e nas plantas. O fato importante aqui é que essas alterações, ditas
mutações, não se podem antecipar; elas surgem de modo descontínuo.
Estes dados experimentais dão novo
aspecto ao problema do livre-arbítrio - A matéria, viva ou inanimada, rege-se
pelo determinismo completo no conjunto, considerando o que é grande e visível.
Na intimidade, porém, considerando o que é infinitamente pequeno, vigora o
indeterminismo que só admite o cálculo de probabilidade. são dois níveis
distintos de estrutura e comportamento, regulados por leis diferentes.
No mundo mental, emerge um novo
fator, cujo desempenho é bastante imprevisível, chamado consciência ou
faculdade de conhecer a si mesmo. Pelo visto, não é demais supor que o ser
humano seja dotado, igualmente, de vontade livre em maior ou menor escala.
Em 8 e 14, determinismo e
livre-arbítrio foram explicados sumariamente. O que ali foi dito concorda com
os aspectos fundamentais da questão segundo O Livro dos Espíritos e O Problema
do Ser, da Destino e da Dor, questão que Ubaldi e Monteiro de Barros explanam
sabiamente. Vamos agora distender um pouco mais as noções referentes a esse
assunto relevante.
Percebemos que, no homem, existem os
dois princípios de ação. Como entender isso? Apelando para um princípio
superior a eles.
Ora, vimos que o princípio central da
Lei de Deus é a evolução. Nos reinos animal e humano inferior prevalece o
determinismo; o instinto dá o melhor sem o perigo da escolha malfeita e o
selvagem age movido por impulsos semelhantes. O livre-arbítrio é progressivo e
relativo, evoluindo do determinismo físico à medida que a consciência (razão)
se desenvolve. Crescendo a razão, aumenta a liberdade de decidir; os padrões
fixos de comportamento cedem lugar à opção inteligente. Em suma, o
livre-arbítrio é uma conquista evolutiva. E, com ele, desponta um novo fator
moral - responsabilidade ou necessidade de enfrentar as consequências dos atos
praticados, que a Lei impõe a todos. Vimos acima que há restrições internas ao
desempenho da liberdade. Convém observar que há também restrições externas no
campo da atuação; o determinismo do mundo material interfere com a liberdade
dos atos; ninguém pode impedir a neve de cair ou o vento de soprar, prendendo-o
em casa e alterando programas traçados. Além disso, o apego às coisas materiais
reduz a independência da ação do espírito.
Mas, em que sentido é livre o
espírito humano? Percebemos nitidamente que, sob vários aspectos, não o é; que
há inúmeros acontecimentos inevitáveis, razão do conceito de fatalidade, que
devemos reformar.
A liberdade de decidir e agir existe
antes da ação ser executada. Posta em movimento o agente prende-se aos efeitos
das causas que gerou. Entra em cena a lei de causa e efeito ou de ação e
reação, estudada a seguir, e da qual não é possível separar nitidamente as
questões em pauta. Segue-se daí que a liberdade é condicionada, conforme
conceitua Bozzano e que o livre-arbítrio é relativo - pois dependem do que se
fez antes.
Todos gozamos, em graus diversos, de
livre vontade e estamos presos ao determinismo. A liberdade reside no presente;
podemos agir com independência por meio da faixa de consciente atual, que
atende às necessidades da vida presente. A determinação promana do passado
culposo. As causas que geramos no passado pelas próprias ações constituem a área
de determinismo, conservada em estado inconsciente. Temos de reabsorver as
conseqüências das más ações, o que a liberdade do presente garante porque, com
ela, podemos emitir novos impulsos que venham corrigir os precedentes.
Originando novas causas com o bem, hoje, é possível neutralizar as causas
pretéritas do mal e reconquistar o equilíbrio. Muitas situações são armadas
contra a nossa vontade: as ações passadas constituem a faixa determinada do
destino, da qual não há fuga. Mesmo nas piores condições, esclarece André Luiz
(Ação e Reação), como uma prisão em cela, ainda vigora certa dose de liberdade
de decidir, que poderá ser empregada para melhorar ou piorar a própria situação
conforme o comportamento adotado; podemos sempre, na expiação, agravar ou atenuar
nossa posição perante a Lei.
O livre-arbítrio do próximo não pode
ser violado mediante a imposição de atitudes que ele deve assumir
espontaneamente, por convicção própria. Onde há duas pessoas, há direitos a
respeitar. A liberdade de um termina onde começa a de outro. semelhante
violação significa débito a pagar.
Funciona melhor o livre-arbítrio no
Espaço. O espírito tem conhecimento do que lhe cumpre passar e realizar na
Terra e concordou com isso. A chamada "fatalidade" é a escolha feita,
antes da encarnação, de uma expiação ou prova. Foi exercida a liberdade nessa
ocasião. Depois, é como se o espírito houvesse traçado para si mesmo uma sorte
de destino infalível. É uma escolha ou ajuste de interesse para a evolução
moral e terá de cumprir-se inexoravelmente. Mas, nem tudo o que nos acontece
deriva do passado. Queimar a mão poderá ser simplesmente imprudência; ter uma
indigestão é sinal de excesso praticado.
A seguir, no tratamento da lei de
causa e efeito, haverá forçosamente alguma repetição em vista das íntimas
relações dela com o problema da liberdade de decisão e ação.
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