O espírita e a oração


Por: Rogério Coelho

A prece é o orvalho divino que
 aplaca o calor excessivo das paixões

“Senhor, ensina-nos a orar, como João ensinava aos seus discípulos.” (Lucas, 11:1.)

Em Física estudamos as ondas amortecidas, assim chamadas porque atingem rapidamente um valor máximo de amplitude, mas também rapidamente decrescem, não se firmando em determinado teor vibratório. São produzidas por aparelhos de “centelha”, que intermitentemente lançam fagulhas, chispas, centelhas, mas não executam uma emissão regular e fixa em determinada faixa. Produzem os chamados efeitos “ruídos”.
No cérebro, ondas amortecidas são as produzidas por criaturas não acostumadas à elevação, mas que, em momentos de aflição, proferem preces fervorosas. A onda se eleva rapidamente, mas também decresce logo a seguir, pois não tem condição de manter-se em nível elevado, por não estarem a ele habituadas. São pessoas que geralmente se queixam de que suas preces não são atendidas. De fato, produzem “ruídos”, mas não conseguem sustentar-se em alto nível, não atingindo, pois, o objetivo buscado.
Sem embargo, ao Seu tempo, disse Jesus[1]: “pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei e abrir-se-vos-á. Porque aquele que pede, recebe; e o que busca, encontra; e, ao que bate, se abre. E qual dentre vós é o homem que, pedindo-lhe pão o seu filho, lhe dará uma pedra? E, pedindo-lhe peixe, lhe dará uma serpente? Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos Céus, dará bens aos que lhos pedirem?”
Quando compulsamos o Novo Testamento, podemos observar que Jesus orava quase sempre...
No livro “Nosso Lar” que abre a singular “Série André Luiz”, psicografado por Chico Xavier, lemos no primeiro capítulo que foi somente depois de longa e dolorosa oração que André Luiz obteve a ajuda de seu Espírito protetor e finalmente pôde ser resgatado da região umbralina.
Allan Kardec disse[2] que “em todos os casos de obsessão, a oração é um poderoso auxiliar de quem haja de atuar sobre o Espírito obsessor”.
Por estes e outros motivos também relevantes, podemos compreender a grande importância da oração em nossas vidas e, provavelmente, por motivos muito especiais, os discípulos de Jesus Lhe pediram[3]: “Senhor, ensina-nos a orar”.  Então, o Mestre Maior lhes respondeu: “quando orardes, não sejais como os hipócritas; pois se comprazem em orar em pé nas sinagogas, e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão”. “Mas tu, quando orares, entra no teu aposento, e, fechando a tua porta, ora a teu Pai que está em oculto; e teu Pai, que vê secretamente, te recompensará.” “E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios, que pensam que por muito falarem serão ouvidos. Não vos assemelheis, pois, a eles; porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de vós Lho pedirdes. Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estais nos Céus, santificado seja...”
Concluímos, então, que se deve ter reta intenção na oração, a fim de que ela seja escutada pelas potestades celestiais. 
Disse Monod[4]: “o dever primordial de toda criatura humana, o primeiro ato que deve assinalar a sua volta à vida ativa de cada dia, é a prece. Quase todos vós orais, mas quão poucos são os que sabem orar! Que importam ao Senhor as frases que maquinalmente articulais umas às outras, fazendo disso um hábito, um dever que cumpris e que vos pesa como qualquer dever? A prece do cristão, do espírita, seja qual for o seu culto, deve ele dizê-la logo que o Espírito haja retomado o jugo da carne; deve elevar-se aos pés da Majestade Divina com humildade, com profundeza, num ímpeto de reconhecimento por todos os benefícios recebidos até àquele dia; pela noite transcorrida e durante a qual lhe foi permitido, ainda que sem consciência disso, ir ter com os seus amigos, com os seus guias, para haurir, no contato com eles, mais força e perseverança. Deve a prece subir humilde aos pés do Senhor, para Lhe recomendar a vossa fraqueza, para Lhe suplicar amparo, indulgência e misericórdia. Deve ser profunda, porquanto é a vossa Alma que tem de elevar-se para o Criador, de transfigurar-se, como Jesus no Tabor, a fim de lá chegar nívea e radiosa de esperança e de amor...
A vossa prece deve conter do que necessitais, mas do que necessitais em realidade. Inútil, portanto, pedir ao Senhor que vos abrevie as provas, que vos dê alegrias e riquezas. Rogai-Lhe que vos conceda os bens mais preciosos da paciência, da resignação e da fé. Não digais, como o fazem muitos: ‘não vale a pena orar, porquanto Deus não me atende’.  
Que é o que, na maioria dos casos, pedis a Deus? Já vos tendes lembrado de pedir-Lhe a vossa melhoria moral? Oh! não; bem poucas vezes o tendes feito. O que preferentemente vos lembrais de pedir é o bom êxito para os vossos empreendimentos terrenos e haveis com frequência exclamado: ‘Deus não se ocupa conosco; se se ocupasse, não se verificariam tantas injustiças’. 
Insensatos! Ingratos! Se descêsseis ao fundo da vossa consciência, quase sempre depararíeis, em vós mesmos, com o ponto de partida dos males de que vos queixais. Pedi, pois, antes de tudo, que vos possais melhorar e vereis que torrente de bênçãos e de consolações se derramará sobre vós.
 Deveis orar incessantemente, sem que, para isso, se faça necessário vos recolhais ao vosso oratório, ou vos lanceis de joelhos nas praças públicas.  A prece do dia é o cumprimento dos vossos deveres, sem exceção de nenhum, qualquer que seja a natureza deles. Não é ato de amor a Deus assistirdes os vossos irmãos numa necessidade, moral ou física?  Não é ato de reconhecimento o elevardes a Ele o vosso pensamento, quando uma felicidade vos advém, quando evitais um acidente, quando mesmo uma simples contrariedade apenas vos roça a Alma, desde que vos não esqueçais de exclamar: Sede bendito, meu Pai?!...  
Isso independe das preces regulares da manhã e da noite e dos dias consagrados. Como o vedes, a prece pode ser de todos os instantes, sem nenhuma interrupção acarretar aos vossos trabalhos. Dita assim, ela, ao contrário, os santifica. Tende como certo que um só desses pensamentos, se partir do coração, é mais ouvido pelo vosso Pai celestial do que as longas orações ditas por hábito, muitas vezes sem causa determinante e às quais apenas maquinalmente vos chama a hora convencional”.
Miguel Vives ensinou: “oração! Eis aqui um tema mui discutido e abandonado por muitos espiritistas. Não falo da oração rotineira, distraída, convencional, sistemática... Falo daquela veiculada pelo sentimento: a vontade firme, o amor, a adoração ao Pai; falo da que edifica, que consola, que se sente nas mais profundas anfractuosidades d`Alma; falo da que faz todo aquele que deseja se emancipar das misérias e defeitos da Terra.
Entendo que esta oração é tão necessária a todo espiritista, que me atrevo a dizer que quem prescinde dela, não logrará as qualidades morais que são necessárias para ser um bom espiritista. Digo mais: quem dispensa a oração, não poderá alcançar, quando regressar ao Mundo Espiritual, as regiões luminíferas, mas sim, as de trevas e turbações, salvo se os seus trabalhos e ocupações na Terra tenham sido de Caridade e de amor ao próximo, (o que pouco acontece neste mundo...)
Há que se ter em conta que a humanidade está cheia de erros, de maldade, de hipocrisia, de egoísmo, de orgulho. Cada criatura emana algo de si mesma, do que é. Coloque-se um Espírita no meio de tanta imperfeição, e apesar de suas convicções, se contagiará com a atmosfera dos demais. Se esse Espírita não possui meios de ficar sobranceiro à influência acumulada sobre ele, será impossível permanecer prudente, circunspecto, tolerante, justiceiro; e como a lei obriga, se queremos alcançar alguma felicidade espiritual, mas nos faltam as devidas virtudes para tal, seremos inaptos para viver entre os bons, e se não somos aptos para viver entre os bons, temos que ser contados na categoria dos que não o são; e ali, onde a bondade não impera, não pode haver felicidade, nem luz, nem liberdade... Por isso entendo que para o Espírita alimpar-se dos vícios, é necessário saturar-se dos fluidos das influências superiores às que nos rodeiam neste mundo, e ademais, que para que estas nos cheguem, precisamos colocar-nos em condições de poder recebê-las.
Quando o ser ora com fervor, o Espírito se eleva e procura seu semelhante no espaço, isto é, os seres superiores que lá habitam e cuja principal missão é a caridade universal, e nunca deixam sem amparo aos que com sua vontade chegam a eles. Então, estabelece-se uma corrente fluídica entre aquele que ora e a influência que recebe, que o circunda de luz; aquela luz o livra dos fluidos imperfeitos que se lhe incrustaram e o rodeia com a sadia atmosfera dos bons fluidos; e assim como os primeiros eram veículos que facilitavam a todo Espírito de trevas acercar-se dele, os bons fluidos são uma vala que se opõe a que influências perversas possam dominá-lo.
Para maior clareza, colocarei um exemplo: suponhamos uma casa de campo que está sem vala, nem muralha, nem dique de nenhuma espécie. A qualquer transeunte que queira aproximar-se dela, não lhe custa mais que o trabalho de caminhar normalmente até lá e ainda que seja noite, poderá chegar até às portas da casa, sem tomar nenhuma precaução nem se deter para nada. Suponhamos que esse transeunte seja um malfeitor: sem correr nenhum perigo chegará à porta da casa. Se a casa tem uma boa muralha e mantém suas portas fechadas, nem o transeunte e tampouco o malfeitor poderão acercar-se dela sem antes pedir que se lhes abram as portas, a não ser que saltem a muralha. Assim é que tanto para o malfeitor como para o transeunte, uma casa de campo murada oferece muito mais dificuldade de ser invadida do que uma que não tenha muralha nem dique de nenhuma classe.
O Espírita que ora é a casa de campo murada, e o que não ora é a que está sem cerca ou muralhas: por isso todas as más influências têm mais facilidade para acercar-se-lhe”.
Finalmente, vejamos o que escreveu Santo Agostinho sobre a prece[5]: “(...) Se soubésseis quão grande bem faz a fé ao coração e como induz a Alma ao arrependimento e à prece! A prece! ah! como são tocantes as palavras que saem da boca daquele que ora! A prece é o orvalho divino que aplaca o calor excessivo das paixões. Filha primogênita da fé, ela nos encaminha para a senda que conduz a Deus. No recolhimento e na solidão, estais com Deus. Para vós, já não há mistérios; eles se vos desvendam. Apóstolos do pensamento é para vós a vida. Vossa Alma se desprende da matéria e rola por esses mundos infinitos e etéreos, que os pobres humanos desconhecem.
Avançai! Avançai pelas veredas da prece e ouvireis as vozes dos anjos. Que harmonia! Já não são o ruído confuso e os sons estrídulos da Terra; são as liras dos arcanjos; são as vozes brandas e suaves dos serafins, mais delicadas do que as brisas matinais, quando brincam na folhagem dos vossos bosques. Por entre que delícias não caminhareis! A vossa linguagem não poderá exprimir essa ventura, tão rápida entra ela por todos os vossos poros, tão vivo e refrigerante é o manancial em que, orando, se bebe. Dulçurosas vozes, inebriantes perfumes, que a Alma ouve e aspira, quando se lança a essas esferas desconhecidas e habitadas pela prece!"

 


[1] - Mt., 7:7 a 11.
[2] - KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o Espiritismo. 125. ed. Rio: FEB, 2006, cap.XXVIII, item 81.
[3] - Mt., 6:5 a 9.
[4] - KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o Espiritismo. 125. ed. Rio: FEB, 2006, cap. XXVII, item 22.
[5] - KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o Espiritismo. 125. ed. Rio: FEB, 2006, cap. XVII, item 23.

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