Na questão 920 do O Livro dos
Espíritos, Kardec pergunta aos Espíritos Superiores se o homem pode gozar,
sobre a Terra, de uma felicidade completa Respondem que, tendo em vista esse
homem viver sobre o planeta em provas e expiações, depende dele amenizar seus
males e ser tão feliz quanto se pode ser sobre a Terra, visto ser ele o
artífice de sua própria infelicidade, uma vez desviado que se encontra da
prática das leis de Deus. Conclui-se, portanto, que a felicidade plena, como
tantos desejam, não é possível por ora. É sabido que vivemos cercados de
problemas de toda ordem, mas também não ignoramos que essas atribulações são
inerentes à própria vida, tendo em vista o grau evolutivo em que a humanidade
terrena se encontra. Defrontamo-nos, assim, com problemas pessoais,
profissionais e aqueles que envolvem a sociedade na qual estamos inseridos.
Observamos que, independentemente de posição social, intelectual ou
profissional, todos têm dificuldades pela existência na qual transitam. Muitas
vezes, essa dificuldade não está no campo individual, mas surge quando nos
relacionamos com o outro, situação inevitável de quem vive em sociedade – somos
seres gregários por excelência. Outras vezes, a situação se inverte: o outro é
que tem problemas no relacionamento conosco, apesar dos nossos esforços em
diminuir os pontos de atrito – todo esforço para o estabelecimento da harmonia
é salutar. Por conta de tantas situações de desajuste, ouvimos, freqüentemente,
as pessoas dizerem que a felicidade não é deste mundo. O interessante é que,
muitas vezes, são criaturas que têm a sua disposição todos os recursos que
facilitam sua vida, ou seja, que não lhes trazem problemas de ordem material.
Muitos que se dizem infelizes têm a juventude, ou a beleza, ou a fortuna e, às
vezes, as três juntas, bens tão cobiçados pela maioria das pessoas. Diante
dessa constatação, é importante perguntarmos: se a maioria das pessoas deseja
esses bens e se muitas são infelizes, apesar de possuí-los, por que os desejam?
O Evangelho nos lembra que ainda somos criaturas ligadas a tudo que é material
e que poucos de nós buscam, verdadeiramente, libertarem-se dessas amarras.
Felicidade e bens materiais caminham juntos, no nosso julgamento, ainda, tão
estreito. Os que buscam essa libertação são aqueles que já compreenderam que,
além do corpo físico, somos um ser espiritual, e isto representa uma vitória do
Espírito sobre a matéria. E começam a entender que os valores materiais não são
suficientes para preencher esse vazio que se forma em suas vidas, em um
determinado momento. A beleza física já não faz sentido por ser apenas externa
e como tudo o que a ela se assemelha, o tempo se encarrega de transformar. A
fortuna já não compra mais o que realmente se necessita. A juventude, somente,
já não representa mais a força necessária para se continuar caminhando com
segurança. Em cada um desses elementos há um vazio que precisa ser preenchido.
Então, o que falta? Falta o despertar para os verdadeiros valores. Falta
acordar para os novos dias que estão se anunciando para nós. Falta a
conscientização de que somos Espíritos em evolução, e não corpos que se
deterioram com o tempo. Somos Espíritos imortais, habitando, temporariamente,
corpos mortais, finitos. Como preencher esse vazio? O primeiro passo é a
aceitação dessa nova realidade, com o entendimento e a coragem de voltar sobre
os próprios passos e reiniciar a caminhada com novos propósitos e firmeza de
decisão. É imprescindível abandonar os velhos valores que nada acrescentam em
nossa vida e nem nos fazem criaturas melhores. É indiscutível negar que
necessitamos buscar a fortuna da sabedoria, a juventude da esperança – força
renovadora que nos impulsiona à frente, constantemente – e a beleza da prática
do amor, pela caridade com o próximo e igualmente conosco. “a luz com a qual
clareamos caminhos alheios é crédito perante a vida, entretanto, somente a luz
que fazemos no íntimo nos pertence e é fonte de liberdade e equilíbrio, paz e
riqueza na alma”.¹ Esse processo, nas palavras de Ermance Dufaux, exige tempo,
disposição incansável de recomeçar, meditação, cultivo de novos hábitos,
oração, renúncia, capacidade de sacrifício, vigilância mental, vontade ativa,
disciplina sobre os desejos, diálogo fraternal, dever cumprido e amparo
espiritual. E dizemos nós, não todos ao mesmo tempo e por isso mesmo o Criador
nos concede a misericórdia de reencarnação. Muitos dizem que a felicidade não é
desse mundo. Certamente que é! Não a felicidade plena, porque nossa existência
nesse momento não comporta, mas é do mundo de luz que cada um cria dentro de
si, na luta contra suas tendências inferiores que estão sempre nos afastando de
Deus, e que tanto nos pesam. A felicidade é possível, sim, neste mundo. Não do
mundo de necessidades fantasiosas, fictícias que criamos, mas do mundo do amor
ao próximo pela tolerância, pela aceitação do outro como ele é, pela alegria de
poder ser útil sem querer nada em troca, pelo cumprimento do dever realizado,
sem levar em conta sua importância ou seu tamanho. E os Espíritos Superiores
nos alertam para isso na questão 926 ³, dizendo que aquele que sabe limitar
seus desejos e vê sem inveja os que estão acima de si, poupa-se de muitas
decepções nesta vida. O mais rico, dizem textualmente, é aquele que tem menos
necessidade. Somos os responsáveis pela construção desse novo mundo. Se erramos
nas nossas escolhas o fizemos por desconhecimento de que havia outro caminho;
mas, hoje, ao entendermos isso, nos colocamos em condição de aceitar o outro,
pois sabemos que ele ignora hoje, o que desconhecíamos ontem. “A felicidade,
tão procurada no mundo da transitoriedade, está em nós, no ato de penetrarmos
na desconhecida gleba do eu, arando esse terreno fértil para que floresça a
Divindade da qual somos todos portadores. Essa é a felicidade dos Espíritos
Superiores, conforme assertiva da codificação; todavia, pode ser a nossa, ainda
agora...” ¹ Sejamos, pois, os iniciadores dessa transformação, que atingirá
todo planeta, tornando-nos um ponto de luz a espalhar o exemplo do amor por
onde passarmos.
Bibliografia
1 - Ermance Dufaux –
Mereça Ser Feliz – [psicografado por] Wanderley S. de Oliveira, Editora INEDE,
Belo Horizonte/MG,
2.ed.,2003, Capítulo 2. 2 – KARDEC,
Allan – O Livro dos Espíritos – Livro IV, Capítulo I – Penas e Gozos Terrestres
3 - KARDEC, Allan – O Evangelho
Segundo o Espiritismo – Cap. 5 – Bem –aventurados os Aflitos, item 20.
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