Por: Lúcio Roca Bragança
1. INTRODUÇÃO
O autoaperfeiçoamento é o caminho que
seguimos no estudo da doutrina espírita. O objetivo deste caminho é alcançar a
nossa autorealização, a consecução das nossas potencialidades de espíritos
criados simples e ignorantes, mas plenamente perfectíveis[1].
Essa capacidade de nos autoaperfeiçoarmos, de realizarmos uma mudança pessoal,
é uma característica inerente à nossa condição de espíritos e possui tanto uma
dimensão de consolação, como de comprometimento, pois, se é verdade que a
mudança é possível – e as situações negativas são impermanentes – não é menos
verdade que ela nos demanda esforço, disciplina e dedicação.
Esse primeiro aspecto é especialmente
relevante: o autoaperfeiçoamento é possível – nós temos a capacidade de mudar –
de modo que inexiste razão para julgarmos fixados em determinado estágio
evolutivo. Se a mudança não fosse factível, Jesus não teria encarnado na Terra,
nem pregado o Evangelho – seria uma tarefa inútil. Notadamente, na
tradição sinóptica, a primeira atividade pública do Mestre foi dizer que o
Reino de Deus está próximo, [2], ou
seja, que ele pode ser alcançado, e, na tradição Joanina, foi
a transformação de água em vinho[3].
A questão chegou a ser expressamente dita por Jesus, quando afirmou, no sermão
da Montanha, “sede perfeitos”[4].
Já o segundo aspecto possui também
grande relevância: é preciso saber o que fazer para alcançar a autorealização;
doutro modo, nossos esforços podem ser hercúleos e vãos – ou, no mínimo,
desnecessariamente sofridos e vagarosos.
Neste passo, o presente trabalho
pretende abordar o tema do autoaperfeiçoamento sob o prisma da doutrina
espírita, iniciando-se exatamente do ponto de partida, isto é, do estágio em
que nos encontramos agora e no que consistem os obstáculos que dificultam o
nosso progresso. Numa segunda etapa, examinamos qual é o caminho a ser seguido
para alcançarmos a autoperfeição e, por fim, as conclusões finais.
2. PONTO DE PARTIDA (SITUAÇÃO ATUAL)
1) Introito
Há duas frases de Emmanuel que
denotam de modo muito rico o ponto em que nos encontramos: "Nossos
pensamentos são paredes em que nos enclausuramos ou asas com que
progredimos na ascese"[5]. "Presos
ao labirinto criado por nós mesmos, eis-nos a reclamar o auxílio
do Divino Mestre".[6]
O que há de notável nestas frases é
que ambas fazem referência ao fato de estarmos presos e sermos nós mesmos os
responsáveis por essa prisão. O aspecto da prisão é apenas uma parte de uma
realidade mais ampla: não é apenas a nossa liberdade que é cerceada pelo nosso
modo de operar a mente, mas a nossa própria realidade é construída pelo teor de
nossos pensamentos, a ponto de podermos criar um mundo infernal ou celestial,
como fica claro neste apontamento de André Luiz[7]:
“Os reflexos mentais, segundo a sua natureza, favorecem-nos a estagnação ou nos
impulsionam a jornada para frente, porque cada criatura humana vive no céu ou
no inferno que edificou para si mesma, nas reentrâncias do coração e da
consciência, independentemente do corpo físico, porque, observando a vida em
sua essência de eternidade gloriosa, a morte vale apenas como transição entre
dois tipos da mesma experiência, no 'hoje imperecível'.”
Curial se faz, portanto, desvendar o
processo de criação destas bolhas de realidade que criamos para nós e que podem
resultar em um estado angustioso ou beatífico, o que nos propomos a fazer a
partir do estudo de três capítulos do livro Nos Domínios da
Mediunidade (Capítulos 7 a
9), através das realidades construídas por Libório, José Maria e Obsessor de
Pedro.
2) Três Exemplos
No capítulo 7, temos a manifestação
do espírito de Libório através da médium Eugênia, ocasião em que o desencarnado
exterioriza seus pensamentos obsedantes pela mulher de sua paixão, chamada
Sara. Destaca-se a seguinte frase[8]: "Que
irrisão! Não existem amigos quando a miséria está conosco... Dos companheiros
que conheci, todos me abandonaram. Resta-me apenas Sara! Sara, que não
deixarei..."
Já no capítulo 8, manifesta-se,
através de Celina, o espírito de José Maria, antigo senhor de escravos
desencarnado. Imerso em profundo desequilíbrio mental, fruto da crueldade com
que tratava os cativos, expressa os seguintes termos[9]: “Quem
disse que a malfadada revolução dos franceses terá reflexos no Brasil? A
loucura de um povo não pode alastrar-se a toda a Terra... Os privilégios dos
nobres são invioláveis! Vêm dos reis, que são indiscutivelmente os escolhidos
de Deus! Defenderemos nossas prerrogativas, exterminando a propaganda dos
rebeldes e regicidas! Venderei meus escravos alfabetizados, nada de panfletos e
comentários da rebelião. Como produzir sem o chicote no lombo? Cativos são
cativos, senhores são senhores. E todos os fujões e criminosos conhecerão o
peso dos meus braços... Matarei sem piedade. Cinco troncos de suplício! Cinco
troncos! Eis aquilo de que necessito para refazer a nossa tranquilidade.”
Por fim, o Capítulo 9 apresenta a
história do obsessor de Pedro. Em sua última encarnação, Pedro fora seu irmão
consanguíneo e, para seduzir a cunhada, fez internar o obsessor de hoje em um
hospício, onde se quedou, aparvalhado até o desencarne. Desde então, manifesta
ódio cruel e feroz por Pedro, a quem se dirigiu aos gritos[10]:
“Vingar-me-ei! Vingar-me-ei! Farei Justiça por minhas próprias mãos!”
3) Análise
Em todos esses três casos, há um
mesmo padrão: incapacidade de examinar a própria conduta, a crença de que algo
externo trará a salvação (ou que a manipulação de condições externas será
determinante para o bem-estar) e a estreiteza da visão, caracterizada pela
fixação em determinada ideia ou aspecto da realidade, criando uma posição
mental rígida, inflexível, autocentrada e absolutamente insensível, ou mesmo de
desprezo às outras pessoas. Essas são as circunstâncias que permeiam o inferno
pessoal que esses indivíduos criaram para si. E é por esse mesmo padrão de
conduta, em maior ou menor intensidade, que causa o sofrimento de que todos nós
tantas vezes padecemos em um mundo de provas e expiações.
Mas são essas mesmas características, por todos nós compartilhadas, que nos levarão a transcender nossa condição atual de sofrimento e alcançar o estágio de angelitude. Pois vemos que, por mais equivocados que sejam os meios, há uma busca de valores legítimos em todos os três personagens: Libório busca o Amor, embora fixado na dependência por Sara; José Maria busca a Paz, ainda que através da mais cruel subjugação de todos à sua volta; o obsessor de Pedro busca Justiça, embora através da aniquilação de um desafeto.
Os três personagens estão absolutamente convencidos da correção de suas razões – eles acham que estão certos em agir assim. Mas nós sabemos que se acham em uma busca distorcida por valores legítimos: obsessão não pode conduzir ao amor, subjugação não pode gerar paz e vingança não pode trazer justiça. Dentro da paisagem mental que criaram, permeada por um torvelinho de emoções desajustadas, os personagens enxergam os instrutores espirituais como inimigos e a tentativa de fazer o bem, como algo ameaçador[11]. Os instrutores, porém, conseguem, ver a natureza de luz por trás da conduta errática e em um dos casos (Libório), já conseguem conduzi-lo ao arrependimento. Como enxergar a natureza de luz e desconstituir a bolha de realidade em que nos encontramos serão os temas do capítulo seguinte.
Mas são essas mesmas características, por todos nós compartilhadas, que nos levarão a transcender nossa condição atual de sofrimento e alcançar o estágio de angelitude. Pois vemos que, por mais equivocados que sejam os meios, há uma busca de valores legítimos em todos os três personagens: Libório busca o Amor, embora fixado na dependência por Sara; José Maria busca a Paz, ainda que através da mais cruel subjugação de todos à sua volta; o obsessor de Pedro busca Justiça, embora através da aniquilação de um desafeto.
Os três personagens estão absolutamente convencidos da correção de suas razões – eles acham que estão certos em agir assim. Mas nós sabemos que se acham em uma busca distorcida por valores legítimos: obsessão não pode conduzir ao amor, subjugação não pode gerar paz e vingança não pode trazer justiça. Dentro da paisagem mental que criaram, permeada por um torvelinho de emoções desajustadas, os personagens enxergam os instrutores espirituais como inimigos e a tentativa de fazer o bem, como algo ameaçador[11]. Os instrutores, porém, conseguem, ver a natureza de luz por trás da conduta errática e em um dos casos (Libório), já conseguem conduzi-lo ao arrependimento. Como enxergar a natureza de luz e desconstituir a bolha de realidade em que nos encontramos serão os temas do capítulo seguinte.
3. SAÍDA (O CAMINHO)
1) Visão
Vimos, acima, como, no centro do
sofrimento daqueles que penam está um modo equivocado de enxergar as coisas:
aquilo que lhes parece bom (vingança, subjugação, vampirismo) é mau; aquilo que
lhes parece mau (perdão, solidariedade, entrega) é bom. Essa ignorância das
criaturas (que motivou as pungentes palavras de Cristo na cruz “perdoa-lhes
porque não sabem o que fazem”[12])
pode fazer com que passem incontáveis encarnações sem progredir, girando em
círculos, por buscarem objetivos errados.
Daí a necessidade de alargarmos a nossa visão, o que deve ser feito através do estudo do Evangelho. Esse aspecto fica muito claro na seguinte fala do Cristo[13]: “A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz; “Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!”
Daí a necessidade de alargarmos a nossa visão, o que deve ser feito através do estudo do Evangelho. Esse aspecto fica muito claro na seguinte fala do Cristo[13]: “A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz; “Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!”
O despertar desta nova visão é
destacado por Jesus no episódio da pecadora que lhe verte unguento[14],
em contraponto à revolta dos discípulos que pretendiam ver o frasco vendido e o
dinheiro distribuído aos pobres; mas Jesus os repreende, dizendo que “sempre
tendes pobres convosco” e justifica a mulher dizendo que “amou muito”.
A cena é de uma profundidade e de uma
sensibilidade tocantes. De fato, o que leva uma prostituta a reverenciar alguém
sem dinheiro nenhum? O que leva alguém de vida mundana e carnal a homenagear um
Mestre que diz que seu Reino não é deste mundo? Houve uma mudança de visão. Ela
reconheceu em Jesus a luz da sua vida, a luz que ela precisava para encontrar a
sua própria luz e dar sentido à sua existência. E essa mudança de visão lhe
conduziu a exteriorizar todo o seu amor a Jesus (ainda que de uma forma um
tanto física, certamente herança de seus condicionamentos inconscientes
anteriores), ao passo que os discípulos estavam preocupados apenas com o
aspecto exterior do dinheiro. Mas é o amor que muda o mundo e não o dinheiro –
e enquanto faltar amor haverá pobres no mundo.
Com efeito, "o amor resume inteiramente a doutrina de Jesus”, como nos ensina Lázaro na Codificação de Kardec[15]. É o maior mandamento, que se divide em dois: amar a Deus com todas as nossas forças e amar o próximo como a si mesmo[16]. Se nós olharmos o mundo através das lentes do amor, nossos sofrimentos se extinguirão juntamente com todos os nossos problemas e perceberemos a beleza divina em tudo que nos cerca[17].
Com efeito, "o amor resume inteiramente a doutrina de Jesus”, como nos ensina Lázaro na Codificação de Kardec[15]. É o maior mandamento, que se divide em dois: amar a Deus com todas as nossas forças e amar o próximo como a si mesmo[16]. Se nós olharmos o mundo através das lentes do amor, nossos sofrimentos se extinguirão juntamente com todos os nossos problemas e perceberemos a beleza divina em tudo que nos cerca[17].
Um dos aspectos mais visíveis do amor
é o nosso olhar de benevolência com as pessoas que nos cercam: vemos elas
sofrendo por suas limitações e, sabendo que se trata de um estado transitório
as ajudamos a ir adiante. A nossa capacidade de inclusão é a baliza de nosso
progresso. Enquanto acharmos que alguém não é nosso irmão, que não merece ser
perdoado, ou que não pode adentrar no Reino de Deus, nós também estaremos fora.
A incapacidade de ver a natureza de luz no outro é a nossa própria
impossibilidade de manifestar a nossa natureza de luz; com isso, vemos que a
exclusão do outro e a nossa exclusão é a mesma coisa: se o outro está fora, nós
também não estamos dentro[18].
Não por acaso, André Luiz registra amor e separação como opostos incompatíveis;[19] da
mesma forma, Jesus enfatiza a unidade do todo, rejeitando o afastamento, a
exclusão e a separação, ao dizer que “quando o fizestes a um destes meus
pequeninos irmãos, a mim o fizestes.”[20]
2) Estabilização
Nada obstante, apenas reconhecer a
importância do amor não é o suficiente, pois a compreensão, por si só, não
elimina o impulso de ação incoerente a ela[21].
Essa percepção foi expressa de modo bastante categórico pelo Apóstolo
Paulo in Romanos, 7, 19: “Não faço o bem que eu quero, mas
pratico o mal que não quero”[22].
E o que é que nos impede de, tantas
vezes, resistirmos aos impulsos egoístas e de praticarmos o bem que queremos?
Encontramos a resposta em André Luiz, quando diz que é preciso centrarmo-nos no
esforço próprio, sem o que não conseguimos escapar das experiência pretéritas
armazenadas no nosso inconsciente, nem por conseguinte, dos impulsos, hábitos e
automatismos acumulados ao longo das encarnações[23].
A repetição do mesmo padrão de conduta gera reflexos condicionados, uma
tendência de reagir automaticamente aos eventos sem nos guiarmos pelo domínio
da consciência.[24]
Para deixarmos de obedecer cegamente
nossos impulsos, e alcançarmos o autodomínio sobre o nosso fluxo mental
desordenado, não podemos deixar de citar a questão 919 do Livro dos Espíritos[25]:
919. Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar
nesta vida e de resistir à atração do mal? “Um sábio da antiguidade vô-lo
disse: Conheceste a ti mesmo.”
Um dos modos mais eficazes de nos
autoconhecermos é prestarmos atenção aos nossos momentos de dor. A dor surge
quando violamos as leis divinas que estão escritas em nossa própria
consciência.[26] Portanto,
é na dor que o insucesso de nossos desvios do Bem se revelam, o que permite que
examinemos nossas falhas e limitações e, mais do que isso, percebamos a
comprovação prática, na carne, de quais são as suas consequências. O
conhecimento assim adquirido se incorpora indelevelmente ao nosso ser. Por
isso, nenhuma racionalização poderá substituir a necessidade de sentir as
emoções.
O caminho oposto é acharmos que não
poderíamos ser a pessoa que somos, que apresentamos características
inaceitáveis. A não aceitação da dor e a busca do prazer é o caminho que sempre
seguimos, de modo que o prosseguimento desta atitude agora, somente poderia
alimentar a bagagem que já carregamos no inconsciente e reforçar as respostas
impulsivas e automatizadas.[27] Quando
negamos a nós mesmos, não nos tratamos com amor, nem poderemos tratar os outros
com o amor; quando negamos a nós mesmos, negamos o amor. Isso explica o grande
número de criaturas a vagar pelas ruas em atividade incessante, todas querendo
tudo para si e desejando ser quem não são.
O resultado é a agressividade que
ainda hoje vemos no mundo, pois as nossas emoções primárias não são
destrutivas: somente quando evitamos o que está no nosso interior é que as
nossas emoções tornam-se verdadeiramente nocivas para nós e para os outros. Um
exemplo típico da tentativa de evitar vivenciar a emoção primária é a raiva:
ganhamos uma energia extra e nos desviamos da causa dos nossos males.
Rompemos esse padrão quando aceitamos
a dor que estamos sentindo, o que equivale a aceitar a pessoa que somos.
Aceitar não significa concordar, nem se identificar. Também não significa
cultivar o sofrimento ou a negatividade. A aceitação importa na transmutação,
importa no amor. A dor é a porta de entrada para isso, pois a dor que estamos
sentindo agora representa o exato estágio da transformação que somos capazes de
fazer. E, no momento em que aceitamos quem somos agora, paradoxalmente já não
somos mais os mesmos– pois a pessoa que éramos não aceitava.
Essa autoconfrontação diária dos
nossos pensamentos com as nossas atitudes contraditórias, apregoada por Santo
Agostinho no Livro dos Espíritos[28] se
praticada com honestidade, somente pode nos levar ao progresso e à consolidação
de nosso ideal de amor; porque temos a centelha divina em nós, as Leis de Deus
estão escritas em nossas consciências e as experiências fora do amor nos são
insatisfatórias.
Jesus estimulava-nos justamente a buscarmos dentro de nós esse potencial de que dispomos. Daí falar por parábolas, que exigiam uma verdadeira peregrinação interior, um autoquestionamento de valores, um desabrochar da verdade que já está em nós. No final da parábola do Bom Samaritano, o Mestre pergunta expressamente ao doutor da lei: que "lhe parece?”[29] Naturalmente, Jesus somente formula a pergunta por que julga-nos capazes de encontrar a resposta, mesmo que sejamos doutores da lei.
Jesus estimulava-nos justamente a buscarmos dentro de nós esse potencial de que dispomos. Daí falar por parábolas, que exigiam uma verdadeira peregrinação interior, um autoquestionamento de valores, um desabrochar da verdade que já está em nós. No final da parábola do Bom Samaritano, o Mestre pergunta expressamente ao doutor da lei: que "lhe parece?”[29] Naturalmente, Jesus somente formula a pergunta por que julga-nos capazes de encontrar a resposta, mesmo que sejamos doutores da lei.
3. Ação
Na sequência da parábola, após o seu
interlocutor responder, Jesus diz[30]: “Vai,
e faze da mesma maneira”. Com isso, e em diversas outras passagens que
expressam comandos ou mandamentos, Jesus deixa claro a necessidade de agir no
mundo. Essa dupla face dos ensinamentos nos interessa: ao mesmo tempo em que
falava por parábolas, oportunizando as pessoas descobrirem o ensinamento dentro
de si, Jesus também dava instruções de como devemos nos conduzir em nossa
encarnação.
E essas instruções podem ser
resumidas em uma palavra: caridade. “A caridade é o amor que se materializa[31]”,
são as nossas atitudes de generosidade, compaixão e interesse pelo bem-estar do
próximo. Como disse Kardec[32],
“A Caridade é a alma do espiritismo; ela resume todos os deveres do homem para
consigo mesmo e para com os seus semelhantes, razão por que se pode dizer que
não há verdadeiro espírita sem caridade.”
De fato, sem a caridade, todo o nosso
conhecimento perderia a sua razão de ser, nem sequer poderia se chamar
conhecimento, pois, o estudo da doutrina espírita (assim como nosso próprio
autoconhecimento) revelam que saber e não praticar seria um contrassenso
insolúvel, seria o mesmo que não saber. Além disso, a prática das ações
caridosas possui uma dimensão de rearmonização, permitindo que nos
reconciliemos com nossos desafetos, criando oportunidades benéficas para as
pessoas que antes geramos prejuízos, adquirindo a bagagem necessária ao nosso
progresso.
Assim, a caridade é uma prática que
se faz necessária desde o início do caminho. Primeiramente, porque não há
necessidade de aguardarmos a sabedoria, para podermos agir: todos temos
condições de dar algo para alguém em necessidade, nem que seja um sorriso. Em
segundo lugar, cria um círculo positivo com os estudos, em que ambos se
reforçam, se complementam e se fundem.
Quando agimos verdadeiramente
motivados por ver o bem-estar nos outros, o nosso modo de operar a mente se
estabiliza, nos sentimos em paz e a caridade nos parece algo natural.
Adquirimos novo entendimento sobre o que lemos, novas dimensões se desvelam e o
que antes parecia não fazer sentido agora faz: uma nova consciência é
alcançada.
Mas, naturalmente, ainda conservamos nossos impulsos cármicos e é preciso estudo e autoconhecimento para não nos desviarmos. Por isso, o Cristo não se limitava a ditar mandamentos, mas falava também por parábolas; por isso, o Espírito de Verdade disse “amai-vos” e “instruí-vos”[33].
Mas, naturalmente, ainda conservamos nossos impulsos cármicos e é preciso estudo e autoconhecimento para não nos desviarmos. Por isso, o Cristo não se limitava a ditar mandamentos, mas falava também por parábolas; por isso, o Espírito de Verdade disse “amai-vos” e “instruí-vos”[33].
Eventualmente, a nossa compreensão
pode não acompanhar nossos esforços para a prática do bem; poderá parecer que
estamos sempre nos esforçando, agindo de modo contrário ao que queremos, o que
gera insatisfação e, por sua vez, mais esforço, aumentando a angústia, até que,
enfim, desistimos. Isso acontece quando não temos uma motivação genuína em
ajudar os outros, mas apenas nos esforçamos por seguir regras[34].
O esforço desmensurado e descuidado pode também conduzir ao fanatismo, onde as
formas se agigantam, e o conteúdo se perde.
Para evitarmos essa situação, havemos
de perseverar nos estudos, buscando o ponto de contato entre os ensinamentos e
os nossos sentimentos até descobrirmos o que realmente nos faz feliz[35].
Também a oração é guia fiel para nos auxiliar na melhor maneira de ajudar
nossos semelhantes, bem como para mantermos o pensamento em elevada vibração.
Naturalmente, não a prece vulgar, autopetitória, mas aquela “profunda”, em que
nos entregamos até nossa alma “ficar alva e radiante de esperança e amor”[36].
Ademais, nossos rogos por bons conselhos constituem pedido de ajuda que não nos
será jamais recusado.[37]
Por fim, nossa ação beneficente deve
ser permeada pela humildade. Não praticamos a caridade para sobrepor a nossa
vontade, nem para impor ao mundo um ideal próprio, mas porque temos consciência
de que podemos ser um instrumento para o Bem Maior. Assim, embora busquemos sempre
fazer o bem na maior medida possível, nos desapegamos dos resultados do nosso
agir porque confiamos na bondade divina que rege o Universo e sabemos que até
mesmo nossos fios de cabelos estão todos contados[38].
Ou como diz André Luiz, em uma das suas passagens mais densas e profundas, mas
que devemos nos lembrar a todo o tempo[39]:
“Façamos todos o bem sem qualquer ansiedade. Semeemo-lo sempre e em toda a
parte, mas não estacionemos na exigência de resultados. O lavrador pode
espalhar as sementes a vontade e onde quer que esteja, mas precisa reconhecer
que a germinação, o crescimento e o resultado pertencem a Deus.”
4. CONCLUSÃO
Os passos aqui sugeridos (visão,
estabilização e ação) possuem caráter mais didático e não são lineares, mas, ao
revés, se entremeiam: a ação pode reforçar a visão, para, então, mais
facilmente se consolidar. Como diz Emmanuel, sob a epígrafe “Olhai, vigiai
e orai[40]”, é
preciso atentar que o “discípulo não pode guardar-se, defendendo
simultaneamente o patrimônio que lhe foi confiado, sem estender a visão
psicológica, buscando penetrar a intimidade essencial das situações e
dos acontecimentos.”[41] Os
três elementos coexistem em um estado de interdependência. Nós olhamos
(ampliamos a visão), oramos (para estabilizá-la) e vigiamos (a conduta e os
pensamentos, já que “quem pensa está fazendo alguma coisa alhures”)[42].
A Ministra Veneranda adverte que “a
criação mental é quase tudo em nossa vida;”[43] nossos
problemas começam com o nosso desconhecimento da nossa própria natureza de luz,
que nos leva a adotar uma posição mental de carência (achamos que o que vem de
fora pode nos suprir), o que gera um hábito de avidez, o qual, por sua vez, se
exterioriza no mundo através de um padrão de atividade incessante. Criamos
mentalmente uma visão de mundo em que somos carentes e, portanto, temos de
receber nosso alento dos outros. Evidentemente, isso não pode dar certo, o que
nos levará a reações com graus de agressividade variáveis, podendo até chegar,
desafortunadamente, a conflitos bélicos.
Esse ciclo se quebra quando adotamos
uma posição mental de generosidade, quando acreditamos que temos algo a dar,
mais do que a receber; percebemos a situação de sofrimento das outras pessoas e
brota (da nossa natureza crística) um desejo de ajudá-las. A posição mental de
generosidade se exterioriza através de uma postura de caridade, de fazer atos
para o bem das outras pessoas. Ambos os aspectos, interno (generosidade) e
externo (caridade) se reforçam mutuamente, criando um ciclo positivo. Tivessem
essa postura presente, e Libório não se veria emocionalmente dependente de
Sara, José Maria não estaria cego por controle e obsessor de Pedro não estaria
obcecado por vingança.
Para a consolidação desse processo, temos de ampliar a nossa visão para criarmos um campo mental próprio à sabedoria, ao amor à compaixão. Esse caminho exige de nós o que a maioria das pessoas, equivocadamente, pensa, quiçá por um medo irracional, que não pode dar: coragem de olhar para si, eliminação das dissimulações e a experiência da própria vulnerabilidade[44]. Com isso, ganhamos independência de nossos impulsos ancestrais e recuperamos a liberdade para agir no mundo sem estarmos presos a necessidades artificialmente criadas, carentes de bens e experiências incapazes de nos satisfazer, como se fôssemos vítimas da ansiedade que se retroalimenta de uma atividade incessante.
Para a consolidação desse processo, temos de ampliar a nossa visão para criarmos um campo mental próprio à sabedoria, ao amor à compaixão. Esse caminho exige de nós o que a maioria das pessoas, equivocadamente, pensa, quiçá por um medo irracional, que não pode dar: coragem de olhar para si, eliminação das dissimulações e a experiência da própria vulnerabilidade[44]. Com isso, ganhamos independência de nossos impulsos ancestrais e recuperamos a liberdade para agir no mundo sem estarmos presos a necessidades artificialmente criadas, carentes de bens e experiências incapazes de nos satisfazer, como se fôssemos vítimas da ansiedade que se retroalimenta de uma atividade incessante.
Já se disse que “a compaixão efetiva
é uma forma de liberdade em relação ao autointeresse”[45].
Com efeito, a “compaixão é o indicativo de que surgiu alguma liberdade diante
das prisões da nossa compreensão equivocada.”[46]Deste
modo, quanto mais ampla a visão, maior a compaixão, o que faz com que menos
tenhamos de agir para satisfazer autonecessidades ilusórias, e mais liberdade
tenhamos para agir no mundo em benefício das pessoas. Por conseguinte, menos
sujeitos estaremos a incorrer em estados mentais de carência e de obsessões por
vingança, controle, ou dependência emocional.
Essa é a verdadeira medida do nosso autoaperfeiçoamento: a capacidade de ajudar as pessoas e enxergá-las com benevolência, a começar por nossa família até englobar toda a humanidade. Em verdade, essa é a nossa inclinação natural e os obstáculos que hoje nos impedem de agir assim são criações artificiais de nossa própria casa mental. Chegará o dia em que esses obstáculos cairão e fazer o bem será tão espontâneo e natural como o desenho que se forma das folhas caídas no chão de outono.
Essa é a verdadeira medida do nosso autoaperfeiçoamento: a capacidade de ajudar as pessoas e enxergá-las com benevolência, a começar por nossa família até englobar toda a humanidade. Em verdade, essa é a nossa inclinação natural e os obstáculos que hoje nos impedem de agir assim são criações artificiais de nossa própria casa mental. Chegará o dia em que esses obstáculos cairão e fazer o bem será tão espontâneo e natural como o desenho que se forma das folhas caídas no chão de outono.
Bibliografia:
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Sobrinho, Geraldo Campetti (Coord.). Espiritismo de A a Z, FEB, 4ª. ed.
[1] LE, Q. 115.
[2] Mt 4, 17; Mc 1, 15.
[3] Jo 2, 1-12.
[4] Mt 5, 48.
[5] Fonte Viva, p. 146.
[6] Fonte Viva, p. 174.
[7] Nos Domínios da Mediunidade, p. 17.
[8] Op. Cit., p. 60.
[9] Op. Cit., p. 68.
[10] Op. Cit., p. 79.
[11] Para uma análise mais aprofundada de como o mundo externo espelha a paisagem mental do observador, vide os capítulos “Planos de Consciência” e “Localizações” da obra Técnica da Mediunidade de C. Torres Pastorino.
[12] Lc 23; 34.
[13] Mt 6, 22-23.
[14] Lc 7, 36 e ss.; Mt 26, 6 e ss.; Mc 14, 3 e ss.
[15] ESE, cap. 11, p. 118.
[16] Mc 12,30-31.
[17] Sobre a transformação que a espiritualização opera em nossa visão, até mesmo de uma laranja, vide Armond, Edgard. Mediunidade, Aliança, 6ª. ed., p. 33.
[18] Esse raciocínio sobre amor e exclusão pode ser encontrado in Mandala de Lótus, p. 105.
[19] Missionários da Luz, Cap. 9, p. 124.
[20] Mt 25, 40. No mesmo sentido: Jo 17,21.
[21] Mandala do Lótus, p. 99.
[22] Cf. Hammed, pelo médium Francisco do Espírito Santo Neto, Os Prazeres da Alma, p. 93.
[23] No Mundo Maior, p. 57 e 54.
[24] Sobre como os reflexos condicionados, nossos condicionamentos adquiridos ao longo das incontáveis encarnações afetam o nosso modo de operar e a dificuldade de sua libertação, vide, também de André Luiz, a obra Mecanismos da Mediunidade, capítulos 11, 12 e 14.
[25] p. 286.
[26] LE, Q 614 e 621.
[27] Amor, Imbatível Amor, pelo Espírito Joana de Ângelis, através da psicografia de Divaldo Pereira Franco, p. 41.
[28] Q 919 b
[29] Lc 10, 36.
[30] Lc 10, 38.
[31] Jacintho, Roque. Intimidade. FEB, 3ª. ed., apud Sobrinho, Geraldo Campetti (Coord.). Espiritismo de A a Z, FEB, 4ª. ed., p. 110.
[32] Instruções de Allan Kardec ao Movimento Espírita. Evandro Noleto Bezerra (Org.), FEB, 2005, apud Sobrinho, Geraldo Campetti (Coord.). Espiritismo de A a Z, FEB, 4ª. ed., p. 106.
[33] ESE, Cap. VI, p. 82.
[34] Mandala do Lótus, p. 99-101.
[35] Cf. ESE, Cap. XI, p. 123: “Tereis, contudo, razão, se afirmardes que a felicidade se acha destinada ao
homem nesse mundo, desde que ele a procure, não nos gozos materiais, sim no bem.”
[36] ESE, Cap. XXVII, p. 251.
[37] ESE, Cap. XXV, p. 235.
[38] Mt 10, 30.
[39] Os Mensageiros, p. 162.
[40] Mc 13, 33.
[41] Vinhas de Luz, FEB, 2008, Cap. 87, p. 97.
[42] André Luiz [Espírito], pelo Médium Chico Xavier. Nosso Lar. FEB, 61ª. ed., p. 85.
[43] André Luiz [Espírito], pelo Médium Chico Xavier. Nosso Lar. FEB, 61ª. ed., p. 246.
[44] Pierrakos, Eva. O Caminho da Autotransformação. Cultrix, 2007, p. 27
[45] Mandala do Lótus, p. 98.
[46] Id., ibid.
Fonte:
Mundo Espirita
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