Quando os números falam

Por: Ana Cristina Vargas
“Quando fustigadas não choram se ajoelham, pedem, imploram mais duras penas” Chico Buarque in Mulheres de Atenas
Entendo que toda mudança tem etapas e é lenta. Não saímos de uma casa para outra em segundos, precisamos avaliar tudo o que temos, escolher, selecionar, o que levaremos e o que ficará para trás na nossa nova morada. Interiormente, se dá o mesmo processo, só que ainda mais lento, pois temos lugares de nossas casas que nunca visitamos, sequer temos consciência do que lá existe e muitos outros ignoramos, por comodidade. Essas coisinhas fazem com que estudar espiritismo não seja algo fácil, é até desconfortável em alguns momentos, porém no final, cada novo espaço conquistado e arrumado nos alegra e gratifica o esforço despendido.
Nunca podemos levantar os pés do chão e deixar nossa imaginação vagar sem governo dentro dos domínios do maravilhoso e do sobrenatural, nesse ponto amo cada palavra que Kardec escreveu para chamar os homens ao conhecimento da natureza e para que se libertem de idéias fantásticas. Sua obra é um convite a que pensemos sempre a partir do aqui e do agora, da realidade, ainda relativa que conhecemos e vivenciamos.
Admiro, também a sua coragem em enfrentar assuntos tabus e propor discussões, embora muitas nós, seus aprendizes, não damos prosseguimentos ou a reflexão merecida, acabando por serem esquecidas, superadas por algumas outras que não conduzem a nada.
Em agosto de 2006, a Lei Federal 11.340/2006 ingressou em nosso ordenamento jurídico, foi batizada como lei Maria da Penha, em homenagem à professora universitária cearense Maria da Penha Maia, vítima de violenta agressão pelo marido que tentou assassiná-la e da qual resultou paraplégica. Após dezenove anos de luta e espera ela viu Marco Antônio Herredia, professor universitário, seu agressor, ser condenado a oito anos de prisão, cumpriu dois e hoje circula livremente. Bem e o que tem a ver essa novidade legal brasileira com o que dizíamos antes?
Violência contra a mulher.
Nas questões 818 e 820 de O Livro dos Espíritos, essa discussão é levantada e posta à apreciação da espiritualidade. Consta a seguinte discussão:
“De onde se origina a inferioridade moral da mulher em certos países?
Do império injusto e cruel que o homem tomou sobre ela. É um resultado das instituições sociais e do abuso da força sobre a fraqueza. Entre homens pouco avançados, do ponto de vista moral, a força faz o direito.”
A fraqueza física da mulher não a coloca naturalmente sob a dependência do homem?
Deus deu a uns a força para proteger o fraco, e não para se servir dela.”
Parafraseando o poeta Renato Russo se pode perguntar que países são esses? Na realidade atual do século XXI ainda cabe essa discussão? Será que voltamos a falar das sofredoras mulheres do Oriente Médio?
Alguns números falam e respondem, porém a lista é tão extensa que prefiro dar-lhes voz e deixar que você, caro leitor, ouça.
Segundo a OMS, quase metade das mulheres assassinadas são mortas pelo marido ou namorado, atual ou ex. A violência responde por aproximadamente 7% de todas as mortes de mulheres entre 15 a 44 anos no mundo todo. Em alguns países, até 69% das mulheres relatam terem sido agredidas fisicamente e até 47% declaram que sua primeira relação sexual foi forçada.
Segundo dados do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento:
Um em cada 5 dias de falta ao trabalho no mundo é causado pela violência sofrida pelas mulheres dentro de suas casas.
A cada 5 anos, a mulher perde 1 ano de vida saudável se ela sofre violência doméstica.
O estupro e a violência doméstica são causas importantes de incapacidade e morte de mulheres em idade produtiva.
Na América Latina e Caribe, a violência doméstica atinge entre 25% a 50% das mulheres.
No Canadá, um estudo estimou que os custos da violência contra as mulheres superam 1 bilhão de dólares canadenses por ano em serviços, incluindo polícia, sistema de justiça criminal, aconselhamento e capacitação.
Nos Estados Unidos, um levantamento estimou o custo com a violência contra as mulheres entre US$ 5 bilhões e US$ 10 bilhões ao ano.
Segundo o Banco Mundial, nos países em desenvolvimento, estima-se que entre 5% a 16% de anos de vida saudável são perdidos pelas mulheres em idade reprodutiva como resultado da violência doméstica.
Um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento estimou que o custo total da violência doméstica oscila entre 1,6% e 2% do PIB de um país.
No Brasil a cada 15 segundos uma mulher é agredida – preste atenção e acompanhe a conta o resultado é: 4 por minuto, 240 por hora, 5.760 por dia. Segundo dados do relatório da Anistia Internacional (publicado na folha de São Paulo em 06/03/2004) esses números são absolutamente iguais aos dos EUA. Esse mesmo documento informa que 1 bilhão de mulheres, uma a cada três do planeta, já foram espancadas ou estupradas ou submetidas a algum outro tipo de abuso.
E o pior desses números é que eles nos respondem que o mal é generalizado e muito difundido, que desconhece fronteiras geográficas, raciais ou sociais, e que todos esses crimes ocorrem atrás das portas, em segredo, as mulheres são submetidas à violência por seus parceiros e parentes. Envergonhadas e com medo de fazer denúncias, elas raramente são levadas a sério quando decidem ir adiante. Sofrem caladas, envergonhadas e continuam submissas por dependerem emocional ou financeiramente do agressor, outras consideram que foi apenas um ato desvairado que não irá se repetir, e outras ainda consideram-se culpadas. Isso faz com apenas a metade dos casos possam, ao menos, servir como dados de estatística. Os agressores em geral são maridos, namorados, companheiros, pais ou irmãos das vítimas e o fato se dá dentro do lar.
Parece que o mundo ainda é povoado por mulheres de Atenas, pequenas Helenas, que se submetem ao império injusto e cruel que permitem aos homens com os quais convivem.
No Paquistão, segundo uma pesquisa do governo, 42% das mulheres vêem a violência como parte de seu destino, 32% se acham impotentes demais para resistir, 19% protestam, e apenas 4% se rebelam. Nos EUA, uma mulher é agredida a cada 15 segundos. Nos países desenvolvidos, a violência é a principal causa da morte das mulheres dos 16 aos 44 anos, passando à frente do câncer e das doenças cardíacas. Na Rússia 14 mil mulheres ao ano morrem em conseqüência da violência de seus parceiros.
Voltando a resposta da questão 818 podemos refletir sobre as causas que a espiritualidade aponta império injusto e cruel que o homem tomou sobre ela; resultado das instituições sociais pouco avançadas. E o que dizem os organismos internacionais acima citados, apontam o fato de que em nossa sociedade muita gente ainda acha que o melhor jeito de resolver um conflito é a violência, que os homens são mais fortes e superiores às mulheres tendo o direito de impor suas vontades. O álcool, drogas ilegais e ciúmes são apontados como fatores que desencadeiam a violência, mas na raiz de tudo está a maneira como a sociedade dá mais valor ao papel masculino, o que por sua vez se reflete na forma de educar.Incentiva-se nos meninos a valorização da agressividade, da força física, da ação, da dominação e da satisfação de seus desejos, inclusive os sexuais; enquanto, nas meninas valoriza-se a beleza, a delicadeza, a sedução, a submissão, a dependência, o sentimentalismo, a passividade e o cuidado com os outros. Explicam ainda a situação, em parte, atribuindo-a a desigualdade e a discriminação que vigora em diversas sociedades que são dominadas pela exploração econômica, por relações sociais que criam armadilhas e pela impunidade da qual gozam os agressores.Como se vê em duas linhas a espiritualidade expôs as causas que pesquisas internacionais referendam, afinal império vem do latim imperium e quer dizer poder soberano.
Se muito já caminhamos em conquistas sociais, especialmente no tocante a igualdade de direitos no trabalho, é hora de trabalharmos na compreensão da lei de igualdade no âmbito de nossas vidas privadas, na intimidade do lar, e nas relações dos casais.
As instituições sociais brasileiras se aparelham, ainda deixam a desejar é verdade, mas caminham. Porém, sabemos que não é com leis que se decreta a compreensão, a caridade, a fraternidade; pois se elas não estiverem em nossos corações, o egoísmo e a barbárie as sufocarão sempre. Despertar essas sementes adormecidas em nosso íntimo é tarefa de quem estuda espiritismo buscando transformar-se e transformar a sociedade em que vive.

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