Culpa e Perdão


Por: José Carlos A. Cintra
Há diferentes motivos para nos sentirmos culpados por algo ou arrependidos de alguma coisa: um erro cometido, uma norma transgredida, uma decisão equivocada e até uma negligencia ou omissão.
O sentimento de culpa e o arrependimento fazem parte de nossas vidas. É natural e racional que analisemos o que se passou e, nessa reflexão, constatemos que não agimos da melhor maneira. E a consequência lógica é um sentimento de culpa ou arrependimento.
Mas essa sensação de culpa, ou de arrependimento, não pode ser exagerada. O fato de nos sentirmos culpados por algo, mesmo que grave, não pode nos intimidar, nos colocar em processo angustioso e traumático a ponto de nos paralisar. Não entremos no círculo vicioso em que acalentamos a culpa e o arrependimento, revivendo o problema, o que realimenta a culpa e o arrependimento e assim por diante. É o complexo de culpa, do qual ficamos sem saída e, ainda, atraímos companhias espirituais negativas.
A culpa e o arrependimento na medida justa são importantes para que aprendamos com os erros. Mas, o problema, como Freud constatou, é que a gente se culpa mais do que é necessário, na citação de Contardo Calligaris. (1)
É interessante observar que, no Direito Penal, o adjetivo culposo se refere a um ato criminoso não intencional, em contraposição a doloso, no qual há a intenção ou o dolo. No meio jurídico, ter culpa por um ato ilícito é menos grave do que ter tido a intenção de praticá-lo.
No dia a dia, pedir desculpas é uma demonstração de gentileza. Lembrando que a palavra desculpar tem o significado literal de retirar a culpa, sejamos pródigos em desculpar.
Outro aspecto relevante do Direito Penal é a consideração de que criminosas são as condutas, não as pessoas. Por isso, o Código Penal Brasileiro, em sua Parte Especial, tipifica as ações criminosas, não os agentes. No caput do artigo 121, por exemplo, temos o homicídio simples: “matar alguém”.
Criminosos são os atos, nunca os sujeitos, declara Contardo Calligaris (2), e acrescenta: Na hora de julgar, no tribunal ou no foro íntimo, o que importa é saber se o ato de Fulano é um crime; a pessoa Fulano é sem interesse.
Muitas vezes cometemos o equívoco de não nos ater aos fatos e, por isso, tratamos as pessoas com muita agressividade, proferindo julgamentos precipitados. É o que ocorre, por exemplo, quando temos a desagradável missão de cobrar uma dívida de alguém. Em vez de nos restringir ao fato, “você ainda não pagou”, disparamos um conceito condenatório:
- Você é desonesto!
E aí a discussão descamba de vez. Novamente, ficamos a mercê das influenciações de espíritos que se comprazem com desavenças.
Fazer a distinção entre a conduta e a pessoa constitui um dos postulados básicos do CVV, o Centro de Valorização da Vida. Os plantonistas são orientados a proceder desse modo, durante os atendimentos. Por exemplo, podem e devem ser contra o consumo da droga, mas jamais contra o drogado.
Tal postura dá margem a melhorar os nossos relacionamentos na família, no trabalho etc., pois nos permite querer bem pessoas que têm condutas das quais não gostamos. Ela também explica o amor incondicional de mães e pais, que, mesmo diante de condutas reprováveis dos filhos, não deixam de adorá-los. Até quando têm que impor limites aos filhos, o amor dos pais continua o mesmo, enorme. É a perfeita aplicação prática do postulado bíblico.
O amor cobre a multidão de pecados. (3)
Como pais, já sabemos exercitar o amor que cobre a multidão de pecados de nossos filhos. Busquemos levar esse mesmo amor grandioso para os outros relacionamentos que a vida nos oferece. Em consequência, estaremos abrindo sintonia com espíritos benfeitores.
Esse tipo de amor é que possibilita praticar o verdadeiro perdão. Quando perdoamos apenas da boca para fora, precisaremos perdoar de novo. É assim que compreendemos o ensinamento cristão sobre a quantidade de vezes que devemos perdoar:
Setenta vezes sete vezes. (4)
Logo, enquanto não chegarmos ao perdão verdadeiro, não poderemos parar de perdoar.
O perdão traz alívio, liberta. Sem ele, alimentamos o rancor, o ódio, o que nos traz prejuízos emocionais e até físicos, agravado pelas más companhias espirituais que se identificam com esse comportamento. Isso justifica a urgência de aprender a exercitar o perdão de verdade.
Ademais, não vale a pena manter desafetos. Se foi impossível evitar o início de uma inimizade, busquemos a reconciliação ou, pelo menos, estejamos prontos para isso quando a ocasião se apresentar. Não desperdicemos oportunidades valiosas de eliminar desavenças.
Portanto, é importante que não nos culpemos em demasia, até para que seja possível dar atenção total ao próximo ponto, conforme o achado filosófico do tênis. Aprendamos também a praticar o verdadeiro perdão, porque além de condutas de que não gostamos ou não aceitamos, há seres humanos desejosos da nossa benevolência.

(1)  Somos culpados, mas de quê? Folha de São Paulo 19/4/2007.
(2)  Confusões morais perigosas. Folha de São Paulo 21/9/2006.
(3)  I Pedro, 4:8.
(4)  Mateus, 18:21-22.

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