Jesus na sessão espírita do Tabor

Por: Paulo da Silva Neto Sobrinho

O erro da crítica está no confundir o bom e o mau, o que muitas vezes sucede pela má-fé de alguns e pela ignorância do maior número.
(Allan Kardec)

As religiões, quaisquer que sejam, jamais ganharam qualquer coisa por sustentar erros manifestos.
(Ary Lex)

O episódio é denominado, pelos biblicistas, de Transfiguração; embora tenha sido citado pelos Evangelhos Sinóticos ele não consta do de João; eis o que é dito na narrativa de Mateus: Mt 17:1-9: “Seis dias depois, Jesus tomou Pedro, Tiago e seu irmão João, e os levou à parte, sobre uma alta montanha. E ali foi transfigurado diante deles. O seu rosto resplandeceu como o sol e as suas vestes tornaram-se alvas como a luz. E eis que lhes apareceram Moisés e Elias conversando com ele. Então Pedro, tomando a palavra, disse a Jesus: 'Senhor, é bom estarmos aqui. Se queres, levantarei aqui três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias'. Ainda falava, quando uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra e uma voz, que saída da nuvem, disse: 'Este é meu Filho amado, em quem me comprazo, ouvi-o!' Os discípulos, ouvindo a voz, muito assustados, caíram com o rosto no chão. Jesus chegou perto deles e, tocando-os, disse: 'Levantai-vos e não tenhais medo'. Erguendo os olhos, não viram ninguém: Jesus estava sozinho. Ao descerem do monte, Jesus ordenou-lhes: 'Não conteis a ninguém essa visão, até que o Filho do Homem ressuscite dos mortos'”. (Bíblia de Jerusalém, 1987).

Primeiramente, queremos deixar registrado que há algumas divergências nos textos bíblicos. Uma delas é a de que Mateus e Marcos dizem que tal acontecimento se deu “seis dias” depois (Mt 17,1; Mc 9,2), enquanto, a de Lucas afirma ter sido “oito dias” (Lc 9,28). Mais gritante ainda é o fato de Mateus e Lucas afirmarem que o rosto de Jesus foi que resplandeceu, ao passo que Marcos já diz ter sido o seu manto. Já Lucas é o único que menciona o assunto da conversa de Jesus com os espíritos Moisés e Elias, qual seja: “falavam de sua partida que iria se consumar em Jerusalém” (Lc 9,31); o silêncio dos outros dois nos causa estranheza. Isso tudo só vem depor contra a tese da inerrância bíblica, comum aos que se recusam a ver que os textos bíblicos muito têm de “inspiração” humana e pouco de divina.

Vejamos quais foram os três fenômenos mediúnicos acontecidos no relato.
 Se Lucas descreveu corretamente os fenômenos, quando disse que “Pedro e os companheiros estavam pesados de sono. Ao despertarem, viram sua glória e os dois homens que estavam com ele.” (Lc 9,32), por esse “pesados de sono” podemos classificá-los como de efeitos físicos, tendo como doadores do ectoplasma os discípulos Pedro, Tiago e João. Esclareça-se que é comum, nos fenômenos de materialização, a produção de “uma nuvem luminosa” no momento em que o ectoplasma se exterioriza do médium que, na maioria das vezes, já se encontra em sono profundo, exatamente como essas duas particularidades estão relatadas no passo. Coincidentemente, esses três discípulos também estiveram com Jesus na cura da filha de Jairo, vista como se estivesse morta (Mc 5,21-24.35-43).

1º – Transfiguração:
Foi o que aconteceu com Jesus, quando seu perispírito envolveu seu corpo físico numa luz radiante, pondo em evidência sua elevada condição espiritual. É bem provável ter sido usado o ectoplasma de Pedro, Tiago e João, para se produzir esse fenômeno.

2º – Materialização:
Os dois protagonistas do evento foram Moisés e Elias, ao se materializarem para conversar com Jesus, fenômeno esse que pôde ser visto pelos três discípulos que o acompanhavam.

3º - Voz direta:
A voz que saiu da nuvem, certamente, trata-se de um fenômeno de voz direta, no qual algum ser espiritual se utilizando do ectoplasma, que se apresentava na forma de nuvem, produziu uma garganta ectoplasmática para dar sua mensagem, identificando a Jesus como o enviado de Deus, a quem todos deveriam ouvir.
 Nestes tipos de fenômenos todos os que estiverem no ambiente ou local do acontecimento irão vê-los ou percebê-los, exatamente, porque se tratam de fenômenos de efeitos físicos.
No texto vemos claramente que a pessoa a quem atribuem a informação de que a comunicação com os mortos “é abominável ao Senhor”, vem pessoalmente, depois de morto, participar de uma sessão espírita. Essa participação de Moisés e o fato de que Jesus ter tomado parte nela, já são o suficiente para nós não termos, a comunicação com os mortos como uma proibição divina, mas, sim, do próprio Moisés, fora, portanto da estreita visão dogmática, que a coloca como promanada do Criador. Vejamos o passo bíblico sobre isso, o qual dividiremos em dois trechos:
Dt 18,9-12: “Quando entrares na terra que Iahweh teu Deus te dará, não aprendas a imitar as abominações daquelas nações. Que em teu meio não se encontre alguém que queime seu filho ou sua filha, nem que faça presságio, oráculo, adivinhação ou magia, ou que pratique encantamentos, que interrogue espíritos ou adivinhos, ou ainda que invoque os mortos; pois quem pratica essas coisas é abominável a Iahweh, e é por causa dessas abominações que Iahweh teu Deus as desalojará em teu favor.

Dt 18,13-14: “Tu serás íntegro para com Iahweh teu Deus. Eis que as nações que vais conquistar ouvem oráculos e adivinhos. Quanto a ti, isso não te é permitido por Iahweh teu Deus”.
A razão de o dividirmos se deve ao fato de que ninguém, que usa tais determinações contra o Espiritismo, é ético o suficiente para colocar os versículos 13 e 14, pelo simples motivo de que são eles que resumem tudo quanto Moisés estava querendo proibir seu povo de fazer; qualquer criança de maternal entende isso. Assim, fica claro que ele jamais condenou indiscriminadamente a comunicação com os mortos, como querem fazer crer os fanáticos, mas apenas aquelas que tinham por objetivo a adivinhação ou prognóstico de coisas futuras, de cunho meramente material. Um bom exemplo desse tipo de comunicação pode ser visto em 1Sm 28,3-25, quando Saul, primeiro rei de Israel, vai a Endor para, através da necromante, consultar-se com o espírito Samuel, sobre o que lhe aconteceria na guerra contra os filisteus, próxima a acontecer. Necromante é a pessoa que consulta os mortos para fins de adivinhação, exatamente o que havia sido proibido pelo legislador hebreu.
 Por que temos certeza de que são ordenações de Moisés e não divinas? Pela simples razão de ser totalmente ilógico Deus ter criado leis naturais para que os mortos pudessem se comunicar com os “vivos” e isso ser, ao mesmo tempo, algo detestável a Ele; só mente de fanáticos pode absorver tal ideia.
 Sobre essa proibição, veja-se o que Allan Kardec (1804-1869) tece de considerações:
Se a lei de Moisés deve ser tão rigorosamente observada neste ponto, força é que o seja igualmente em todos os outros. Por que seria ela boa no tocante às evocações e má em outras de suas partes? É preciso ser consequente. Desde que se reconhece que a lei mosaica não está mais de acordo com a nossa época e costumes em dados casos, a mesma razão procede para a proibição de que tratamos.
 Demais, é preciso expender os motivos que justificavam essa proibição e que hoje se anularam completamente. O legislador hebreu queria que ’o seu povo abandonasse todos os costumes adquiridos no Egito, onde as evocações estavam em uso e facilitavam abusos, como se infere destas palavras de Isaías: “O Espírito do Egito se aniquilará de si mesmo e eu precipitarei seu conselho; eles consultarão seus ídolos, seus adivinhos, seus pítons e seus mágicos”. (19:3). (KARDEC, 2007d, p. 167-168).
Um bom exemplo de que não cumprem rigorosamente a lei de Moisés é o fato de que não mais mandam seus filhos rebeldes para serem apedrejados pelos anciãos do povo à porta das cidades como bem recomenda o Dt 21,18-21; não se faz “réu de morte” os que trabalham aos sábados para cumprir o Ex 21,15; por que não se aplica a pena de morte nos casos citados em Ex 21,12-17?
 Muitos contraditores não sabem (ou não querem saber?) que “Os Espíritos podem comunicar-se espontaneamente, ou acudir ao nosso chamado, isto é, vir por evocação”. (KARDEC, 2007b, p. 360); em razão disso condenam o Espiritismo, supondo que suas práticas consistem somente de evocações, como se nunca ocorressem comunicações espontâneas. Achamos isso sem sentido algum, pois, por qualquer meio que venham os espíritos – espontaneamente ou atendendo a alguma evocação – só podem se comunicar porquanto houve uma permissão de Deus para tal. A não ser que julguemos os homens com poder suficiente de contrariar a vontade de Deus neste aspecto; então teria sentido a condenação das evocações.
 Em nosso livro Os espíritos comunicam-se na Igreja Católica, apresentamos várias provas de que os espíritos só se manifestam com a permissão de Deus. Delas fazemos questão de ressaltar o que disse o espírito André a seu pai, o advogado Lino Sardos Albertine (1915-2005), através de uma médium que ele procurara para entrar em contato com seu filho, quando lhe perguntou o porquê havia morrido tão cedo: “[...] André disse-nos ter nascido para executar uma missão especial, isto é, fornecer as provas da existência da vida após a morte, de modo que muitas pessoas acreditem mais em Deus e respeitem a sua lei. […] (ALBERTINI, 1989, p. 24-25, grifo nosso). Não fosse a intolerância religiosa, André não teria morrido em vão.
 Querem alguns mal informados detratores estabelecer uma relação direta entre Espiritismo e feitiçaria, a resposta a fanáticos desse tipo, já foi dada por Kardec:
Acusam-no de parentesco com a magia e a feitiçaria; […] Certamente, a distância que separa o Espiritismo da magia e da feitiçaria é maior do que a que existe entre a Astronomia e a Astrologia, a Química e a Alquimia. Confundi-las é provar que de nenhuma se sabe patavina. (KARDEC, 2007e, p. 31-32).
 Só a malevolência e uma rematada má-fé puderam confundir o Espiritismo com a magia e a feitiçaria, quando aquele repudia o fim, as práticas, as fórmulas e as palavras místicas destas. Alguns chegaram mesmo a comparar as reuniões espíritas às assembleias do sabbat, nas quais se espera o soar da meia-noite, para que os fantasmas apareçam. (KARDEC, 2001, p. 70-71). 
Longe de fazer reviver a feitiçaria, o Espiritismo a aniquila, despojando-a do seu pretenso poder sobrenatural, de suas fórmulas, engrimanços, amuletos e talismãs, e reduzindo a seu justo valor os fenômenos possíveis, sem sair das leis naturais. (KARDEC, 2001, p. 104).
Custa-nos acreditar que, em pleno século XXI, ainda encontremos pessoas com a capacidade mental de julgar que Espiritismo e feitiçaria são a mesma coisa, dada a quantidade de obras espíritas disponíveis; inclusive, na Internet, pode-se ler muitas delas de graça.
 É por demais curioso o fato de que Jesus, depois do acontecimento, não disse para os discípulos não fazerem o que Ele estava fazendo – conversando com mortos -, mas, apenas, pediu-lhes que só contassem o ocorrido após sua ressurreição. E por que justamente após a Sua ressurreição? Resposta: justamente para comprovar a existência da comunicação dos espíritos com os vivos, e mostrar que a Sua presença, depois da morte, era semelhante à de Moisés e à de Elias, ocorridas no momento da “transfiguração”; veja-se que a própria manifestação de Jesus, após a Sua morte física, já prova que os mortos podem se comunicar: “Ainda a eles, apresentou-se vivo depois de sua paixão, com muitas provas incontestáveis: durante quarenta dias apareceu-lhes e lhes falou do que concerne ao Reino de Deus” (At 1,3). “Apresentou-se vivo”, é claro, porquanto a morte só atinge ao corpo físico; jamais ao Espírito imortal. Lembram-se de quando ele apareceu a Saulo? O intrépido perseguidor dos cristãos ficou cego por três dias, demonstrando que a luz produzida pelo perispírito de Jesus O qualifica como um espírito da mais elevada estirpe. 


Referências bibliográficas:
Bíblia de Jerusalém, 3ª impressão. São Paulo: Paulinas,1987.
ALBERTINI, L. O além existe. São Paulo: Loyola, 1989.
KARDEC, A. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2007e.
KARDEC, A. O Céu e o Inferno. Rio de Janeiro: FEB, 2007d.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2007b.
KARDEC, A. O que é o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2001.
NETO SOBRINHO, P. S. Os espíritos comunicam-se na Igreja Católica. Divinópolis, MG: GEEC, 2012.


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